Rio do Sul, 9 de agosto de 2043
Só os loucos e as crianças dizem sempre a verdade. E, se voz de criança é voz de Deus, dispus-me a escutar a Mallu:
“É muito chato! A tia passa matéria no quadro e a gente tem de copiar. Depois, ela fala o que está no quadro. Tem muitos meninos que não sabem ler.
Quando toca o sinal, a tia grita “Aleluia!” E os meninos saem da sala a correr. Eu espero que eles passem. Depois, eu deixo de ficar apertada. A tia pôs as mesas muito juntas. É muito apertado. A nossa sala é pequena.
Ontem, o Renan não foi à escola. A tia ficou contente. Disse que “era menos um”. Não entendi…”
Perguntei à Mallu se já tinha ido à biblioteca da sua escola.
“É tipo uma sala de aula sem aula? Temos lá uma. Tem lá muitos livros, mas as crianças não podem entrar.”
Nesse município, a secretaria de educação pediu-me que fizesse “uma Escola da Ponte”. É evidente que jamais faria, pois poderia constituir-se numa caricatura de escolanovismo pelo vosso avô implantado numa escola europeia, já ia para mais de quarenta anos.
O trabalho desenvolvido foi muito além da introdução de réplicas paliativas (mesmo provindas da Ponte) num velho e obsoleto modelo de ensino – aconteceu inovação. Vejamos o que constava do “relatório”:
“Certamente, serão erradicados dispositivos sem sentido (sala de aula, turma, carga horária, prova etc.), e serão adaptados ao sul e instalados dispositivos concebidos, há meio século. Porém, essas mudanças poderiam constituir-se em obstáculo à inovação.
A implantação de círculos de aprendizagem marcará a transição de um ciclo de mudança para um ciclo de inovação, apoiada numa rede inicial de protótipos, espaços de referência para imersões formativas dos professores em serviço no município.
A par do trabalho a realizar nas escolas intervencionadas e retomando intenções iniciais, de mostra urgente a publicação de normativo de criação de um primeiro protótipo, à semelhança daqueles que foi objeto de portaria na Secretaria Estadual de Educação do Distrito Federal: a “Comunidade de Aprendizagem do Paranoá”.
Estará assegurado o crescimento do educando em todos os aspetos: físico, mental, intelectual, emocional, afetivo, psíquico, para que ele possa interferir, atuar e transformar o seu meio, de forma ética, na perspetiva do desenvolvimento sustentável do ser humano e da comunidade em que se integra.
Apesar das precárias condições de intervenção, concretizou-se a introdução de tutorias, bases de reconfiguração das práticas escolares, bem como contato com famílias e comunidade. E é de prever que, respeitando o ritmo individual de adaptação a novas práticas, as escolas intervencionadas devem passar a agir como coletivos, até ao final de 2023. Estão reunidas as condições para uma adequação gradual do teor dos projetos político-pedagógicos e dos regimentos das escolas a novos modos de conceber e fazer educação, transformando-as em espaços de produção de conhecimento e cultura, conectando os interesses dos estudantes com os saberes comunitários.”
Essa secretaria de educação me pedia ajuda para cumprir algumas das metas do Plano de Educação:
“Erradicação do analfabetismo; (…) melhoria da qualidade da educação; formação para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; promoção humanística, científica, cultural e tecnológica.
Ciclópica tarefa me esperava. E, juntamente com o “relatório”, seguiram para destinos vários um Plano de Inovação e um Projeto de Formação.
Melhor dizendo… de trans-formação.
Por: José Pacheco
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