Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXXV)

Armação de Búzios, 13 de agosto de 2043

No início deste século, insignes universitários afirmavam ser necessário “aprender com a Escola da Ponte”. Com a humildade que caracteriza os grandes educadores, isso escreveram em livro com o título “Defender a Escola Pública”. Entre eles, o amigo Nóvoa. 

Nesta cartinha, irei transcrever mais um trechinho daquilo que ele colocou nessa obra, analisando a proposta de António Sérgio. 

“Sérgio critica o modo como, pela educação burocratesca, nos tornámos pedintes do Estado e lhe damos a força com que nos mata. Deixa bem marcada a sua defesa de um sistema monitorial, no qual cada criança vai assumindo uma responsabilidade especial no quadro de processos de cooperação.

A escola do trabalho que preconiza é, antes de mais, uma escola da organização social do trabalho e, por isso, considera que as crianças devem ser chamadas a participar na direção da vida escolar: à medida que o estudante avança nas classes, o governo da escola deve entrar, cada vez mais, em suas próprias mãos.

António Sérgio advoga que se conceda um foral às nossas escolas, «de modo que a turbamalta estudantil, em vez de um rebanho estúrdio mal pastoreado pelo mestre, reitor, dire

tor ou vigilante, formasse um verdadeiro município, sob a assistência, o conselho e a cooperação discreta dos professores»

O município escolar é assumido como o laboratório de instrução cívica. Sérgio critica a albarda da resignação fomentada pela escola e afirma a necessidade de uma formação cívica prática: «a educação cívica meramente teórica parece um ensino de esgrima em que se não empunhasse uma arma, ou uma aprendizagem de piano em que os dedos se não mexessem: é um absurdo»

Ao professor ficaria, assim, reservado um papel discreto, de alguém que incita os alunos a encarar a res publica com toda a gravidade: para isto é necessário – conclui – que a autoridade dos educandos se venha adicionar, porém não substituir, à de quem ensina.

O princípio dos municípios escolares está presente em toda a “Educação Cívica”. Sérgio elabora a sua definição, insistindo nas noções de governo democrático, na feitura de leis pela cooperação entre os cidadãos, na responsabilidade de cada um pelos problemas da cidade-escola: «o professor ensinará pois os estudantes a governarem-se a si mesmos, criando leis justas e sensatas e sobretudo executando-as e fazendo-as executar». 

É absurdo pensar que, neste sistema, o papel do professor se esbate, arrastando a vida escolar para um falso igualitarismo. As diferenças de estatuto estão bem marcadas no ideário sergiano. Mas isso não o impede de sustentar, uma e outra vez, a necessidade de instaurar uma vida democrática nas escolas. A título de exemplo, propõe mesmo um «Foral do município escolar», definido pela vontade de envolver os alunos no governo da escola.”

Quando alunos e professores criaram o dispositivo Assembleia, procederam à elaboração de “acordos de convivência”, substituindo uma educação para a cidadania por uma educação no exercício de uma cidadania plena. Mas, sigamos o ensinamento do Nóvoa e do Sérgio.

“Sérgio reflete sobre a importância do julgamento como prática educativa. Para ele, o que conta é perseguir a delinquência, e não expor o delinquente à reprovação, menos ainda ao desapreço de camaradas e professores. Ainda assim, defende que, em certos casos, se justifica fazer um julgamento, com intuitos de moral ou instrução cívica.”

Amanhã, tentarei concluir a citação do texto do amigo Nóvoa, para passar ao restante da “tarefa de casa” desse agosto de vinte e três: evocar o Mestre Anísio.

 

Por: José Pacheco

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