Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXXXVI)

Escola Ayrton Senna (Niterói), 24 de agosto de 2043

Netos queridos, para que possais compreender o alcance da mudança operada nos idos de vinte e três, irei manter também nesta cartinha um registro mais ou menos didático, começando por descrever aspectos a serem desenvolvidos no exercício de um singular currículo, um currículo de caráter uno e múltiplo.

A partir de necessidades e desejos de cada ser humano, integravamos conteúdos, competências e capacidades de uma base curricular, visando estimular talentos, cultivar dons do sujeito aprendente.

Acompanhamos os projetos de vida de cada ser humano único e irrepetível. No desdobramento do currículo da subjetividade era respeitada a especificidade do seu repertório linguístico e cultural, os estilos de inteligência predominantes e o seu ritmo de aprendizagem. 

O currículo da comunidade partia de necessidades, desejos, problemas da população do território de contexto, promovendo-se a integração comunitária da escola. O conhecimento produzido no decurso dos projetos (“evidências de aprendizagem”) era vertido em ações, fomentando desenvolcimento sustentável.

Na prática de um currículo da consciência planetária, o processo de autoconhecimento se harmonizava com necessidades e problemas da sociedade contemporânea e do planeta, tendo em consideração os dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as quatro dimensões da sustentabilidade (social, econômica, ecológica e visão de mundo).

Eram desenvolvidas habilidades socioemocionais, assegurando, através do fomento de competências transversais, o pleno desenvolvimento pessoal e social do ser humano.

Nos encontros realizados na Casa Reviver, na CAPUerj, no SESC do Rio, nas escolas (na “Ayrton” fiz a fotografia que junto a esta cartinha) e em organizações do território do Morro do Estado, fomos colhendo informações sobre o potencial educativo da comunidade, um elevado potencial humano nos educadores e a sua decisão de agir. 

Um projeto local sustentável procedia da conceção de um currículo voltado para a formação integral da pessoa, no reconhecimeento da multidimensionalidade da experiência humana – afetiva, ética, social, cultural e intelectual (e até mesmo espiritual) e implementando três dimensões curriculares – a da subjetividade, a da comunidade e a da consciência planetária – de forma integrada e integral.

Nesse tempo, ainda havia quem acreditsse que uma “educação integral” seria passivel de concretização em sala de aula. Havia um certo consenso em torno da utilidade do prolongamento da jornada escolar e na criação de contraturnos de “desculpabilização curricular”. Também havia quem tivesse fé nas virtudes das “aulas invertidas”, nos “ensinos híbridos”, na utilização acéfala do digital e em outras pedagógicas inutilidades. Eram realizados congressos, seminários, encontros vários, nos quais a definição precisa, (fundamentada!) do conceito estava ausente. 

Eu lamentava a participação nesses eventos de educaores que eu admirava, porque as práticas de educação integral eram incompatíveis com a manutenção da escola da sala de aula.

À margem (e até mesmo marginalizados) desses eventos, propiciávamos condições da prática de educação integral, na superação de lógicas fragmentárias, integrando as contribuições da diversidade de instituições e agentes educativos locais, religando a educação escolar com a familiar e com a social, para que a aprendizagem acontecesse a par do desenvolvimento do pensar, com a formação do caráter e o exercício da cidadania.

 

Por: José Pacheco

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