Lagoa das Amendoeiras, 6 de setembro de 2043
No setembro dos idos de vinte e três, o amigo António comentava uma notícia de jornal:
“MAIS DO MESMO! A capa do jornal de hoje é, de facto, muito bem conseguida, já que revela a triste realidade em que a Educação portuguesa continua mergulhada.
Enquanto temos, por um lado, um Ministério da Educação que persiste em não fazer reformas de fundo (devia ser essa a principal missão de um qualquer governo de maioria absoluta), com o objetivo de recriarmos a escola pública e renovarmos o funcionamento do nosso sistema educativo e, por outro, sindicatos que só se expressam na superficialidade das matérias; vamos “cantando e rindo” por entre o “invariável das aulas na hora do regresso” e do tradicionalismo da organização escolar, sendo “levados, levados sim” pelo ritmo da desregulação reinante e da burocracia, bem presentes num discurso político que afirma ter-se feito muito, por exemplo, na colocação de professores.
Talvez a cosmética seja muita… pois não se faz nada em áreas absolutamente cruciais: gestão da escolas, reforço da escola como organização, mudanças no sistema de contratação de professores, autonomia (real) da escola, renovação de práticas e de organização pedagógica (com escala nacional), avaliação (formativa e formadora) do desempenho docente, novo modelo de formação (inicial e contínua) de professores, redignificação da classe docente, reforço da avaliação externa das escolas e renovação do sistema educativo.
De facto, depois da felicidade que senti com a nomeação do ministro João Costa e da esperança que tive com o seu desempenho, a única coisa que sinto é uma profunda desilusão com as atuais políticas educativas.”
Razões de sobra assistiam ao amigo António, para desse modo se insurgir contra a mesmice. Tinha sido um incansável defensor da Escola Pública. Tinha realizado um trabalho notável nas escolas por onde passou. Publicara um livro-proposta de mudança e inovação.
Nesse setembro, a corrida aos supermercados recomeçara. As famílias faziam contas de somar e de subtrair, para ver se um salário seria suficiente para a compra de mochilas, “material” e inúteis livros didáticos.
De nada adiantava explicar a uma opinião pública alienada que não era só em São Paulo que os manuais continham erros grosseiros e que o peso das mochilas era demasiado e representava perigo para a saúde dos meninos. E que a reclusão em sala de aula constituía perigo ainda maior… Até que, no tempo em que ainda havia ano letivo, surgiram núcleos de projeto constituídos por pais, professores e diretores decididos a desinstalar a normose, que se instalara no “sistema”.
O Bob, já nos anos sessenta, o tinha predito:
“Reúnam-se, pessoas!
Onde quer que estejam
Porque os tempos estão mudando
Venham, senadores, deputados, por favor, escutem o apelo
Não fiquem parados no vão da porta
Venham, mães e pais
De todos os lugares
E não critiquem o que vocês não conseguem entender
Sua antiga tradição está rapidamente envelhecendo
Porque os tempos estão mudando.”
O lado saudável do “sistema” iria convidar a o ministério para o cumprimento da lei (já aqui vos expliquei por que os ministérios estavam fora da lei), para passar de reformas reformadas à inovação, de passar da prática de injeção de paliativos no “sistema de ensino” à prática das teorias da aprendizagem. Certamente, as ciências da educação ainda serviriam para alguma coisa!
Já aposentado, o amigo António ajudava o amigo Luís e outros educadores éticos envolvidos em projetos de mudança. Nesse setembro, voltei a Portugal, para ajudar à festa.
Por: José Pacheco
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