Lagoa de Piratininga, 3 de setembro de 2043
Reza a lenda que Diógenes andava pelas ruas de Atenas, durante o dia, carregando uma lanterna acesa, dizendo estar à procura de um homem honesto.
Era dia claro. No entanto, Diógenes andava de lanterna acesa na mão, em busca de seres humanos verdadeiramente humanos.
No setembro de vinte e três, fui até Portugal, pois de lá vinham boas notícias. Até talvez fosse possível estabelecer um paralelo entre o afã de muitas famílias e a busca de um Diógenes do século IV AC. Também elas procuravam educadores éticos em lugares onde os poderiam achar. O certo é que os encontraram. E – o que é mais admirável – acompanhados de gestores ainda vivos, ainda éticos.
Reencontrei ex-alunos gerindo câmaras municipais, em órgãos de governo, no desempenho de cargos na administração educacional, na direção de agrupamentos de escolas. Já entrados na casa dos cinquenta, permaneciam resilientes, dispostos a pôr em prática aquilo que, poucos anos antes, se assemelhava a uma missão impossível.
A Marta, a Rute e a Ana tinham abdicado de uma semana de férias, para atravessar o mar e fazer uma vivência na Escola Aberta. No início do ano letivo – naquele tempo, ainda havia ano letivo – a Ana escreveu no velhinho WhatsApp:
“Já com os pés em solo português, faço esta partilha com o coração cheio e com memórias incríveis desta experiência, que jamais esquecerei. Irei encontrar-me com a querida Andreia, que está ansiosa para receber e eu ansiosa para partilhar!”
Nos encontros de sábado, enviei recados para a Dora, a Carla, a Rita, a Cátia, a Eunice, a Fátima, o Hernâni, a Sara, o JdB… e mesmo para o amigo João, que cuidava da recuperação da sua amada Catarina. Chegava o tempo prometido do ressurgir de um instinto de verdade honesto e puro.
Nesses encontros, tentei conferir exatidão à palavra dita, esboçando um glossário. Porque, por exemplo, sempre que entrava na Internet, deparava com a expressão “comunidade de aprendizagem” aplicada a experimentalismos que nada tinham a ver com a prática dessa construção social. Um dos verbetes desse arremedo de glossário isto dizia:
“Comunidade de Aprendizagem – Práxis comunitária assente num modelo educacional gerador de desenvolvimento sustentável. Pode assumir a forma de rede social física, ou de rede virtual. Nas palavras de Lauro de Oliveira Lima, são divisões celulares da macroestrutura em microestruturas federalizadas num conjunto maior, mais complexas, que facilitam o encontro entre pessoas, espaços-tempos de preservação da unidade da pessoa, em lugar de dividir a pessoa para assegurar a unidade da sociedade.”
E vos ofereço o verbete de outro conceito, que, nessa altura, também era mal usado:
“Projeto – Processo dinâmico, que perfilha uma ideia de futuro, potencializa recursos existentes, e promove desenvolvimento pessoal e social.”
Amiúde, também ouvíamos falar de “educação de qualidade”. Só não se dizia se se tratava de boa, ou de má quanlidade. A aus~encia do adjetivo gerava alguma incerteza… E, como não havia duas sem três, cá vai mais um verbete da letra B:
“Boa Qualidade de Educação – Aquela que, no contexto restrito da escola, garanta o pleno acesso e o sucesso de todos os alunos (o Manifesto de 1932 já reivindicava uma educação pública democrática, que garantisse acesso e sucesso) e que, em senso lato, assegure a todos uma educação integral. E a boa qualidade seria aquela que resultasse da fecundação do sistema com práticas de uma nova construção social de aprendizagem.”
À distância de duas décadas, podereis atualizar esses e outros verbetes. Eles bem precisam!
Por: José Pacheco
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