Cabrália, 18 de outubro de 2043
Nos idos de vinte, era frequente o anúncio de “novidades” requentadas e de velhas propostas embrulhadas em discursos novos. Eram publicadas sibilinas “recomendações” extraídas de compêndios de meados do século XX, descrevendo inexistentes práticas. Por exemplo:
“Adotar a conceção de desenvolvimento integral no Ensino Médio implica estimular e fortalecer a autonomia do(a) estudante (…) para que possa se engajar nos estudos a partir dos seus interesses e necessidades, para construir e atuar pelo seu projeto de vida e agir coletivamente no desenvolvimento de sua comunidade. A escola deve adotar diferentes estratégias, considerando que as pessoas aprendem de formas e em ritmos diferentes, sendo diversos seus conhecimentos prévios, habilidades e inclinações.”
Cadê o “desenvolvimento da comunidade” e as “diferentes estratégias”?
O farisaísmo pedagógico não interrogava a existência de um “ensino médio”, não sabia explicar a sua existência, mas acrescentava a esses pedaços de senso comum misturados com pedagogia bolorenta, expressões na moda, como “projeto de vida”.
Como se fosse possível desenvolver um currículo da subjetividade, contemplar “ritmos diferentes”, “interesses e necessidades” de cada aluno, em sala de aula! Como se fosse possível o “fortalecimento da autonomia”, em sala de aula! Com desfaçatez, se repetia à exaustão a cantilena do “estudante como o ator ou a atriz principal do processo pedagógico, estimulando o seu protagonismo”.
Em finais de 2023, era por demais evidente a necessidade de transitar de um obsoleto sistema de ensino para um novo sistema de aprendizagem, do autoritarismo prussiano passar à democratização, substituir um modelo imoral e corrupto por uma construção social de aprendizagem humanizada, ética. Há muito tempo já, o Mestre Pedro denunciava as péssimas condições da escola instrucionista. Dizia não existir um projeto de mudança satisfatório, parecendo que a escola que tínhamos era um modelo intocável.
Num célebre texto com o título “EDUCAÇÃO À DERIVA: instrucionismo como patrimônio nacional”, escreveu:
“O sistema educacional mostra aberrações inomináveis em termos de qualidade da aprendizagem, que persistem arraigadas, não comparecendo, contudo, gesto minimamente adequado de mudança. Em especial no ensino médio, o aprendizado de matemática é insignificante: foi de 9.1% em 2017. No Enem, apenas 53 estudantes obtiveram nota máxima em redação, dentre 4 milhões de participantes; quase ninguém.”
Alheia aos trágicos indicadores e à avisada voz do Mestre Pedro, a administração educacional tentava colmatar defeitos, injetando nas escolas “ensinos híbridos” e outras inutilidades, desperdiçando recursos e vidas.
Mas as ideias arejadas são peregrinas, permitem que a humanidade refunda o seu complexo percurso. Houve professores que ousaram interrogar-se e interrogar:
“Por que há ensino médio? Por que há salas de aula? Por que há…?”
No “Reino do Sem Sentido”, a intenção válida não era a tentar melhorar práticas instrucionistas, nem de tentar melhorar o IDEB. A mudança ia muito além de dados fornecidos por uma desumana escala de classificação.
A partir do que éramos, do que sabíamos fazer e do que fazíamos, urgia afirmar a possibilidade de conceber uma construção social a partir das pessoas que habitavam um mesmo território físico e/ou virtual, que partilhavam valores e uma mesma visão de sociedade, produzindo e partilhando e conhecimento, operando transformação social, melhorando a qualidade da vida em comum.
Por: José Pacheco
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