Ipê, 23 de outubro de 2043
Pela grande amizade que nutria por um bom amigo, eu hesitava entre agir como “Advogado do Diabo” (a Vovó Ludi não permitia que o fosse), ou ser o Grilinho do Pinóquio. Fosse como fosse, não me omitia, não me quedava neutral face ao teor daquilo que suscitou um “Uau!” desse amigo:
“A professora de Chase está à procura de crianças solitárias. Ela está à procura de crianças que têm dificuldades para se conectar com outras crianças. Ela está a identificar os pequenos que estão a cair nas fendas da vida social da turma. Ela está descobrindo que dons estão passando despercebidos pelos seus pares. E ela está a identificar quem está a sofrer bullying e quem está a fazer o bullying.”
Cadê a novidade? Porquê um “Uau!”, se todas as escolas deveriam ser espaços produtores de culturas singulares, mas também espaços de múltiplas interações, cooperação, partilha, comunicação, algo impossível em sala de aula.
Nos idos de vinte as escolas eram, quase sempre, espaços de solidão. E a solidão dos professores era da mesma natureza da solidão dos alunos. Só os “utópicos” ousavam criar solidários laços. Já o dissera nas “Cartas para a Alice”:
“Nos idos de vinte, a solidão era, muitas vezes, o destino de pássaros a quem calhava por sina o conhecimento e a bondade. E poder-se-ia chamar instintivo ao ato paciente e fraterno de juntar um galho a outro galho, até se completar um ninho. Eu diria ser mais um ato religioso – Que mania a dos humanos seres a de considerar não ser da natureza dos pássaros o re-ligare!” Continuemos a leitura do adorado textinho:
“É como tirar um raio-X de uma sala de aula para ver debaixo da superfície das coisas e dentro dos corações dos alunos. É como minerar por ouro – sendo o ouro aqueles pequenos que precisam de uma pequena ajuda – que precisam de adultos para intervir (…) como participar de um grupo ou como partilhar os seus dons com outros. E é um dissuasor do bullying porque todos os professores sabem que o bullying geralmente acontece fora do seu olho – e que muitas vezes as crianças que sofrem bullying são demasiado intimidadas para partilhar.”
Que adiantava “tirar um raio-X de uma sala de aula”, se a professora insistia em, solitariamente, permanecer em sala de aula, espaço e tempo de produção de “bournout”?
Em 1994, um jovem de 17 anos se matou dentro de seu Ford Mustang amarelo. Esse adolescente cometeu suicídio por não saber pedir ajuda. Durante o enterro, os pais distribuíram cartões com fitas amarelas para todos os presentes, onde estava escrita a frase “Se você está pensando em suicídio, entregue este cartão a alguém e peça ajuda!”.
O jovem suicida estava sozinho, tal como a criança, de que vos falei em outra cartinha e que se suicidou com veneno de escaravelho. Face a essa tragédia, na Ponte, muito antes da redação do textinho, que venho citando, procuramos identificar os motivos pelos quais uma criança pudesse pôr fim à vida. Descobrimos que as escolas eram arquipélagos de solidões.
Urgia eliminar insularidades, para salvar vidas. Criamos dispositivos como o “Tutor”, a “Caixa dos Segredos” e o “Preciso de Ajuda”, que abreviaram e extinguiram situações de discreto sofrimento. Como vos disse, ao instituirmos canais de comunicação, alteramos o grito do Pedro, às margens do Ipiranga, para… “Interdependência, ou Morte”.
Aquela adorável professora dissera que cumpria o ritual de “toda sexta-feira à tarde, desde Columbine”. Desde Columbine, foram inúmeras as invasões de escolas, assassinatos de professores e alunos. A carnificina continuava, nos idos de vinte e três – vinte e quatro anos após Columbine!
Por: José Pacheco
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