Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXCVII)

Morro do Estado, 24 de outubro de 2043

Por alguns dias do outubro de há vinte anos, mantive contato epistolar com alguém que eu muito estimava, comentando e formulando perguntas jamais respondidas. 

Dizia ao meu querido amigo, que com ele concordava – o depoimento de Chase era extraordinário –, mas discordando do seu entusiasmo. 

Parece que a velhice nos devolve alguma serenidade. Serenamente, pedia que me fossem dadas razões para a manutenção de um sistema obsoleto e iníquo, aquele que tinha por dispositivo central a sala de aula de… Chase. Já estava saturado de paliativos assimilados pelo “sistema”, digeridos e servidos como se de inovação se tratasse. 

À distância de duas décadas, já consigo comentar sem quase deixar transparecer a irritação, apenas com resquícios de indignação. Naquele tempo, eu manifestava perplexidade perante o obsceno silêncio dos meus companheiros das ciências da educação. Não conseguia digerir omissões, discurso de acariciamento do ego dos professores, nem processos de naturalização – a educação familiar, a educação social e a escolar eram corresponsáveis pelo caos. 

Por inverosímil que vos possa parecer, queridos netos, as instâncias de poder eram surdas a argumentos de natureza científica. E a escola da aula reproduzia um modelo social gerador de exclusão, “naturais” solidões, o aumento dos casos de automutilação e o crescimento exponencial do suicídio de jovens. 

Pela sua natureza, a escola da sala de aula contribuía para agudizar os efeitos de uma globalização neoliberal, que remetia o ser humano para bolhas sociais feitas de ostentação, miséria e solidão. E eu não conseguia entender a exaltação do meu amigo e o porquê dos encómios. 

Meu Deus! Esta mulher brilhante assistiu Columbine sabendo que TODA VIOLÊNCIA COMEÇA COM DESCONEXÃO. Toda a violência exterior começa como solidão interior. Ela viu aquela tragédia SABENDO que as crianças que não estão a ser notadas acabarão por recorrer a serem notadas por qualquer meio necessário.

E o que esta matemática aprendeu, ao utilizar este sistema, é algo que ela realmente já sabia que tudo – até o amor, até mesmo o pertencimento – tem um padrão. E ela encontra esses padrões através dessas listas – ela quebra os códigos de desconexão. E, então, ela sente crianças solitárias e a ajuda que eles precisam. É matemática para ela. Tudo é amor – até matemática. Incrível!

O professor de Chase aposenta-se este ano – depois de décadas a salvar vidas. Que maneira de passar uma vida: procurando padrões de amor e solidão. A intervir todos os dias e a alterar a trajetória do nosso mundo. Vocês são os detetives de desconexão e a ÚNICA esperança que temos para um mundo melhor. 

O que fazes nessas salas de aula, quando ninguém está a ver, é a nossa melhor esperança (…) a esperança de salvar mais crianças. O que a professora de Chase está a fazer, quando se senta na sua sala vazia a estudar aquelas listas escritas com mãos tremidas, é SALVAR VIDAS. Estou convencido disso. Ela está salvando vidas.”

Pura ilusão! Talvez essa professora conseguisse salvar vidas ao seu alcance. Porém, ao não questionar a origem das violências, contrariava aquilo que, nos idos de vinte, a minha amiga Helena dissera:

“Precisamos de uma estrutura que garanta a interação pessoal educador-estudante, a experiência coletiva da construção do bem comum, do diálogo, da convivência, do cuidado com o outro, da diversidade. 

Se os prédios e a velha estrutura chamada enturmação não servem para isso, utilizemos todos os recursos disponíveis, inclusive os tecnológicos, que, agora, os professores conhecem”.

 

Por: José Pacheco

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