Bom Retiro, 25 de outubro de 2043
Suspendi um improvável diálogo, para não alimentar animosidade. Nenhuma amizade deveria ser abalada por diferentes (ainda que estranhas) atitudes. E a atitude da professora de Chase era admirável, embora em quase nada contribuísse para operar mudança. O “exemplo” dessa professora, como o de milhares de professores, iria morrer com elas.
A professora de Chase descrevera uma prática. Uma virtude pouco comum. A dos docentes não escrevia, não registrava prodigiosos exercícios didáticos.. Um vasto património era ignorado, porque não saía do emparedamento em sala de aula.
Aqueles que tinham conhecimento de “novidades” visitavam-nas e usavam-nas para enfeitar teses de doutoramento. Teses que dormitavam nos armários das universidades, até que mais um candidato a doutor as “acordasse” e as citasse, talvez na intenção de fazer a “quadratura do círculo” da educação.
Distraídos andariam aqueles que, nos idos de vinte e três, tomaram como “novidade” aquilo que em Chase se fazia. Ficai sabendo que, muito perto do local da tragédia de que vos falei nas cartinhas anteriores, em 1905 (lestes bem: mais de cem anos antes da “novidade”), Alessandro Cerchiai questionara a existência de sala de aula.
Mais de um século não fora tempo suficiente para dar corpo aos seus ideais, que eram os de Zola, de Louise Michel e os princípios de Francisco Ferrer. O Mestre catalão seria vilmente executado no morro de Montjuic, os seus desígnios frustrados por sutis modos de impedir que a humanização da escola acontecesse.
A Escola Germinal, que, em 1902, fundou no bairro do Bom Retiro, pouco mais durou do que a de Tolstói8, que o czar da Rússia mandou fechar. O sonho de uma escola elementar racionalista, para ambos os sexos, ingloriamente foi encerrada em 1904.
Apesar de veres malogrado o seu intento, foi precursor dos precursores da Escola Nova. Hoje, apenas empresta o seu nome a uma rua de São Paulo. Os seus moradores (e a maioria dos professores) nem sequer sabem quem foi e o que fez esse Alessandro. Depois de um breve inquérito de rua, apenas um transeunte ensaiou resposta: “Alessandro? Isso é nome de jogador de futebol, não é?”.
Na Germinal de 1902, os pais não apenas participavam com uma pequena mensalidade como intervinham na arrecadação de fundos e, de algum modo, na gestão do projeto. Decorrido mais de um século, os teóricos continuam a produzir teses sobre a relação escola-família, mas as famílias continuam marginais à vida nas escolas e são frágeis as estruturas de participação.
Em novembro de 1904, lançava um derradeiro apelo nas páginas dos jornais:
“Pensai no futuro de vossos filhos!”.
Reafirmava as virtudes dos métodos aplicados na sua escola. Mas, ao que parece, a população do Bom Retiro não se preocupava com a educação dos seus filhos. Nem parecia que se importasse, quando, no século XXI, os submetiam à nefasta influência de práticas sociais denunciadas ao longo de um século pródigo em práticas alternativas.
Existia um pacto de silêncio em torno de iniciativas como o Círculo Educativo Libertário Germinal, de São Paulo, a Universidade Popular de Ensino Livre, do Rio de Janeiro, as Escolas Modernas de São Paulo e de Bauru, todas da primeira década do século XX. As faculdades de educação não informavam os futuros professores de Porto Alegre que, em 1906, havia por lá uma escola com o nome de Elisée Reclus. E quem ouviu falar da Escola Germinal, do Ceará, da Escola Social, de Campinas, da Escola Operária, de Vila?
Triste realidade a da ignorância de um passado feito de extraordinárias (e perecíveis) iniciativas.
Por: José Pacheco
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