Restelo, 8 de novembro de 2043
Voltei a remexer em velhos baús, reencontrando papéis, compact disk, que já não tenho onde ver e ouvir, pen drive empoeiradas e papéis. Muitos papéis, os restos mais duráveis, que me fazem restaurar boas e más memórias. Neles achei uma notícia de há, exatamente, vinte anos, quando a minha amiga Helena me levou a participar no primeiro “Innovators Forum”. “Especialistas em Educação pedem novos modelos de ensino” era a parangona da notícia. Seguia-se a descrição do evento.
“A Educação foi o tema central, que juntou especialistas nacionais e internacionais, para discutir tendências, desafios e oportunidades nesta área crítica para a sociedade, sempre com uma lente de futuro. O evento contou com mais de mil participantes, professores, alunos, empresários e decisores.”
A Cláudia deu o mote, evocando a memória e propósito do pai Belmiro:
“O futuro precisa de ser desenhado e inventado. Precisamos de novas abordagens, novas experiências e muita determinação dos vários agentes da sociedade”.
“Ao longo da manhã, subiram a palco diversos especialistas para debater as mudanças que devem existir para escalar a Educação do futuro. Entre eles Sugata Mitra, que mostrou a sua visão sobre o futuro da Educação, destacando, em particular, que o sucesso dos alunos não deve ser medido pelo nível de conhecimento, mas antes pela sua capacidade de compreensão, comunicação, que o propósito da Educação passa por permitir às pessoas viver vidas felizes, saudáveis e úteis.
O Innovators Forum contou com diversos debates centrados em tópicos como os novos modelos educativos em Portugal ou a necessidade de repensar o tradicional sistema de ensino. José Pacheco, educador fundador da Escola da Ponte e da Open Learning School chegou mesmo a referir que o atual “sistema não funciona, é inútil. Ele não pode ser melhorado, tem de ser mudado”.
Recordo-me de, no final do encontro, ter comentado que “não há bela sem senão” Realçada a oportunidade e a importância dessa reunião, nela voltei a assistir à naturalização de um modelo educacional obsoleto, pois os oradores continuavam a falar de “sala de aula”, “turma”, “carga horária” e “quinto ano”.
Vinte anos antes, um pai atento e preocupado me dizia que a filha tinha produzido um vídeo sobre piratas e manifestado vontade de aprender a “fazer cinema”. O João perguntava:
“Como aproveitar este desejo dela? Devo “forçar” perguntas?
O professor da minha filha marcou estes trabalhos, para hoje: Português: gramática – determinantes (artigos definidos e indefinidos, possessivos e demonstrativos); Matemática: diagrama de caule-e-folhas; frações; tabuadas; operações; unidades de medida de comprimento; Estudo do Meio: solos e formas de relevo; meios aquáticos; sistema solar; pontos cardeais; itinerários; Cidadania: ser responsável.
O que poderia aquele pai fazer, perante absurdos? Que “conselho” eu poderia dar a um pai, que demonstrava tanta preocupação e sensibilidade? Não soube o que responder a essas interrogações:
Como organizo o desenvolvimento do projeto? E a avaliação? Como sei que aprendeu? Uma apresentação sobre o projeto é suficiente? O trabalho escrito é suficiente?”
No dia seguinte ao do Fórum fui até às Caldas, conversar com pais e mães da qualidade do João, pais e mães conscientes da necessidade de usar as propostas de especialistas e palestrantes no contexto de uma nova construção social de aprendizagem. E lamentei que ainda houvesse especialistas, palestrantes e professores que não se apercebiam da farsa de fingir que se ensinava “dando aula”.
Por: José Pacheco
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