Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDXXXIX)

São Conrado, 4 de dezembro de 2043

Freire dixit: “O fracasso é do sistema”. E, naquele livro de que vos falei em outras caras – “Evidentemente” –, o amigo Nóvoa questionava a ideia de um “único melhor sistema”. Vede:

“O último terço do século XIX é um período essencial para compreender a consolidação de formas de organização escolar que, apesar de sucessivas tentativas de mudança, resistiram até aos dias de hoje. 

Há um conjunto de evoluções que produzem a gramática da escola: alunos agrupados em classes graduadas, com uma composição homogénea e um número de efetivos pouco variável; professores atuando a título individual, com perfil de generalistas (ensino primário) ou de especialistas (ensino secundário); espaços estruturados de ação escolar, induzindo uma pedagogia construída essencialmente no interior da sala de aula; horários escolares rigidamente estabelecidos, que impõem um controlo social do tempo escolar; saberes organizados em disciplinas escolares, que são as referências estruturantes do ensino e da pedagogia. 

É neste momento, de grande densidade histórica, que se fabrica uma conceção de trabalho escolar, que está impregnada de uma pedagogia nova e de práticas de ensino que integram princípios de avaliação, de progressão e de organização dos estudos.”

A “impregnação” consolidou-se, ao longo do século XX, malgrado as críticas e os devaneios teóricos de académicos ociosos. Até mesmo as escolas montessorianas, waldorfianas, freinetianas e outras propostas escolanovistas não escaparam à “impregnação” e mantiveram o tipo de organização: “classes”, “sala de aula”, horários padronizados etc. Se o que é evidente… mente, voltemos ao livro, que o amigo Nóvoa publicou em 2005:

“No caso do ensino primário, as escolas centrais são a melhor ilustração deste processo. A ideia de dividir as aulas da instrução primária em “classes”, distribuindo os alunos “não pela idade ou pela altura, mas pelo seu estado de adiantamento”, constitui uma novidade. 

A regulamentação dos programas para cada classe configura um “ensino metódico e progressivo” e um modelo de ação do professor que estão na origem da “escola moderna” (…) No caso do ensino liceal, a reforma de 1894-1895 consagra a passagem de um sistema de disciplinas avulsas para um regime de classes. Os textos regulamentares sobre a prática do ensino fixavam, à partida, que nenhuma disciplina do plano de estudos era independente e que todas estavam ligadas “pelo princípio de uma intenção comum”. 

Como escreverá mais tarde o autor da reforma, Jaime Moniz, tratava-se de instituir uma “distribuição comum, consecutiva, paralela, por justaposição, gradual”, valorizando uma organização horizontal do currículo, baseada na ligação entre as disciplinas e na coordenação do trabalho dos professores. O modelo tinha como principal objetivo “reduzir à unidade, no espírito do aluno, a variedade forçosa das matérias de ensino”.

Estes apontamentos breves permitem compreender a “naturalização” de uma gramática, que define as fronteiras da modernidade escolar. O modelo impõe-se como o único melhor sistema – o “The one best system” de David Tyack. Não é apenas o melhor sistema, mas sim o único possível e, mesmo, imaginável. Reside aqui a sua força e a explicação para a sua permanência no tempo.”

Bem pregara Freire, dizendo que o fracasso era do sistema! 

Nos idos de vinte, a “naturalização” do “único melhor sistema” concebido na Prússia prosseguia. Até ao momento em que já não valia a pena aplicar-lhe paliativos. Até ao momento em que uma nova construção social surgiu.

 

Por: José Pacheco

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