Montemor-o-Novo, 12 de janeiro de 2044
Nos idos de vinte, muitos jovens passavam mais de uma década a estudar em manuais didáticos a necessidade de cuidar dos recursos naturais, em escolas e salas de aula marginais à possibilidade concreta de intervenção em conflitos socioambientais.
Era provável que uma criança ingressasse no primeiro ano de escolaridade numa escola ao lado de um córrego poluído e saísse de lá, ao cabo de alguns anos, com o córrego ainda mais poluído. Era bem provável que os seus professores atravessassem décadas “dando aula” de educação ambiental, sem lançar um olhar sequer para além dos muros da escola.
Poder-se-ia pensar que a uma escolarização prolongada propiciaria uma maior consciência ambiental, mas isso raramente acontecia por efeito de uma escola distante da vida real.
No início deste século, o Greenpeace lançava contínuos alertas:
“Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come.”
A Terra continuaria doente, augurando-se graves conflitos socioambientais, enquanto a nossa maneira de viver fosse reproduzida em contravalores, que muitas escolas insistiam em transmitir.
Entrei no banheiro de um aeroporto, lugar de passagem de executivos, pessoas de “formação superior”, supostamente na posse de muitos conteúdos de educação ambiental. A água escorria abundante de uma torneira avariada, mas ninguém se importou com o fato. Por cima da máquina de onde era arrancadas resmas de papel, havia um apelo:
“Senhores usuários, sejam educados. Duas folhas são suficientes para enxugar as mãos”.
O americano Richard Louv criou um novo conceito: “transtorno da falta de contato com a natureza”. Verificou a tendência, cada dia mais evidente, de as novas gerações se afastarem do contato com a natureza, de que resultava uma conjunto de problemas comportamentais.
As crianças tinham bons motivos para ficar dentro de casa: computador, videogames, televisão. Gastavam, em média, 44 horas por semana a jogar polegares sobre mídias eletrônicas. Por seu turno, as escolas levavam-nas a explorar o ambiente… em livros didáticos.
Urgia instituir novas práticas sociais nos lugares onde a educação do caráter acontecia. Um dos projetos, que ajudei a conceber – a Escola do Projeto Âncora” – visava passar do contra-turno para uma escola, pois, nas suas palavras: fazer tempo integral era como “tentar enxugar gelo”.
O amigo Walter me enviou estas palavras:
“Por muito tempo tratamos a Terra como algo a nosso serviço, que podíamos aproveitar ilimitadamente. Nunca pensamos na Terra como sendo nós também parte dela, de seu complexo sistema de vida.
O Projeto Âncora tem intensificado cada vez mais o trabalho de consciência ecológica com as crianças e jovens. Acreditamos que esses meninos e meninas além de estarem abertos, mais que os adultos, às necessidades de mudanças em comportamentos e atitudes, são capazes de influenciar suas famílias.
Em nosso dia a dia, podemos usar a Carta da Terra como nosso código de conduta. Nos alegremos por viver neste momento da história humana, onde nos é dada a possibilidade de mudar o rumo da história e salvarmo-nos da destruição da vida.”
No início da segunda década deste século, uma comunidade de aprendizagem começou a tomar forma. Fomos reunir no “Recanto Suave”, para ajudar a resolver a poluição do córrego, que o atravessava. Tornámo-nos incómodos para políticos corruptos. Os novos protagonistas do Âncora atraiçoaram a memória do amigo Walter, e o projeto foi destruído.
Porquê?
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