Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDIII

Piranhas, 8 de fevereiro de 2044

Ainda andava por terras onde o São Francisco se espraiava, antes de chegar ao mar, à conversa com educadores, que me levaram a fazer referência a um estranho fenómeno. Sendo a profissão de professor eminentemente feminina, porque seria que, no elenco dos mais importantes pedagogos, divulgado em teses, artigos e livros, apenas surgiam os femininos nomes de Ferrero e de Montessori? Como se não houvesse matéria para reduzir a quantidade de referências a homens (para três ou quatro, por exemplo), para integrar no “quadro de honra” mais uma dúzia de educadoras. 

Não faltavam exemplos, na história da educação do século XX: Armanda Alberto, Irene Lisboa, Maria Nilde, Cecília Meireles, Magda Soares, Nise da Silveira… só referindo aquelas que já tinham deixado a nossa companhia. Propositadamente, não referirei as do século XX, mas uma ilustre desconhecida, que viveu no século XIX. 

Louise Michel nasceu em 1830 e faleceu em 1905. Foi professorapoetisaenfermeiraescritora

Preocupada com a educação infantil, lecionou em Paris, até 1856. Aos 26 anos, já era autora de uma extensa obra literária, política e educacional, com foco nos movimentos sociais. Participou na Comuna de Paris, tendo sido presa e deportada para a Nova Caledônia. Em 1880, retornou à França, participou de inúmeras iniciativas libertárias, sendo vigiada e sofrendo prisão, frequentemente.

Após seu falecimento, foram muitas as homenagens, sendo considerada uma das mais notáveis feministas, sindicalistas e educadoras libertárias do século XIX, preservando tal reconhecimento até à atualidade.

Na adolescência, Louise lia Rousseau e Voltaire, precocemente desenvolvendo um temperamento altruísta. Em 1850 fez um curso de magistério, mas foi impedida de lecionar nas escolas estatais por se recusar a jurar lealdade para Napoleão III e seu império. Essa recusa é idêntica àquela que Agostinho da Silva assumiu, nos anos quarenta do século passado e que lhe valeu o exílio no Brasil (felizmente para o Brasil!)

Em 1852, Louise fundou uma escola livre, onde lecionava, ensinando princípios republicanos — inclusive com aulas de canto onde os alunos aprendiam a cantar a Marselhesa. A escola foi obrigada a fechar, por pressão das autoridades. No fim de 1854, abriu outra escola. Por ensinar princípios libertários, continuou a ser perseguida pelo governo. 

Mudou-se para Paris, para lecionar num colégio interno para moças, e se dedicar a atos de solidariedade. Em 1865, fundou uma escola (a que hoje daríamos a designação de escola de tempo integral, pois funcionava doze horas por dia), ao mesmo tempo que apoiava a criação de escolas e orfanatos laicos.

A educação assumia grande importância no pensamento libertário do século XIX. A sua proposta de pedagogia diferenciada influenciou muitos pedagogos do Movimento da Escola Nova.

Nessa época, Louise Michel conheceu Victor Hugo, um dos mais famosos e respeitados escritores da época, que a retratou como personagem em obras sobre mulheres excecionais com destinos trágicos.

Durante a Guerra franco-prussiana, quando a fome se abatia sobre Paris, Louise Michel criou um refeitório comunitário para as crianças. Condenada, presa, degredada, onde quer que a vida a levasse, Louise foi fonte de inspiração de uma pedagogia libertária, que chegou ao Brasil com imigrantes europeus. A primeira escola libertária foi fundada em 1905, em São Paulo, por imigrantes italianos, o ano do falecimento de Louise Michel. 

Nos idos de vinte, quantos professores teriam ouvido falar de Louise Michel?

 

Por: José Pacheco

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