Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDV

Paranhos, 10 de fevereiro de 2044

E foi, então, que a minha amiga e irmã Maria me presenteou com o que dissera uma cartomante, que tomar decisões era a melhor forma de prever o futuro. Aproveitei a “deixa”, para tomar decisões e agir praxeologicamente. E para pedir que, acaso discordassem daquilo que eu escrevesse ou fizesse, me dessem conhecimento das dissidências e do modo como, dialogando. as poderíamos sanar.

Certamente, estareis recordados de vos ter falado que uma profunda crise ética se instalou, quando concluí que, ensinando a ler do único modo que eu sabia ensinar, os meus alunos continuariam analfabetos. Só conhecia um “método”, aquele com que me tinham ensinado, porque o modo como o professor aprendia é o modo como o professor ensinava. O modo! 

Os alunos que me foram confiados já tinham reprovado várias vezes, por permaneceram analfabetos, porque os professores anteriores os tinham tentado ensinar pelo mesmo “método”. 

Inscrevi-me em cursos de preparação de alfabetizadores, onde, supostamente, eu encontraria solução para a minha “dificuldade de ensinagem”. Ledo engano! Aqueles formadores não faziam a mínima ideia de como se ensinava a ler. 

Nada daquilo que palravam tinha a ver com a sua prática. Eram professores universitários, meros replicadores de teoria, de algo que poderíamos ler num livro, sem necessidade de pagar para os ouvir. 

Há mais de cinquenta anos, os escutava repetir as mesmas ladainhas. Percorria as salas de aula das universidades, os salões onde decorriam palestras, auditórios lotados de professores que, como eu, procuravam contribuições para a melhoria do exercício da profissão. No final das palestras e formações, os meus colegas de chão de escola concluíam: “É tudo teoria”. E era mesmo!

Hesitei entre aprender outros “métodos”, ou sair da profissão. Optei por aprender a ser alfabetizador. Fiz-me autodidata e me refiz. Estudei Psicologia da Aprendizagem, Psicologia da Cognição, Psicologia da Memória, dez psicologias.

Aprendi a elaborar repertórios linguísticos, quando me apercebi que, por volta dos quatro ou cinco anos, as crianças já sabiam ler. Por exemplo, “Big Brother” e “McDonalds” em inglês, “Coca-Cola” em português e até palavras japoneses sabiam ler: “Toyota”.

Aprendi a determinar a lateralidade predominante, tendo identificado cerca de duas dezenas de alunos esquerdinos, que tentavam escrever com a mão dextra, bem como “estilos de inteligência”, num tempo em que o Howard Gardner ainda não tinha iniciado os seus estudos. 

E no mesmo ano em que a Emília Ferreiro iniciou os seus estudos sobre alfabetização, eu aprendi mais uma dúzia de “métodos”: global de palavras, global de frases, global de contos, o “Tu já lê” do Paulo Freire, o das “28 palavras”, o Jean Qui Rit” e outras abordagens fonomímicas, metodologias fonossintéticas, silábicas…

“Especializado” com alfabetizador, em pouco tempo, consegui criar leitores. A prática do “Método Natural de Leitura” de Freinet, me levou a aderir ao Movimento da Escola Moderna. Instalei ficheiros autocorretivos, a Imprensa Freinet, a classe cooperativa, a Assembleia, mas tudo… em sala de aula.

 

Uma profunda crise ética me possuiu, quando compreendi que, em sala de aula, não conseguiria garantir a todos os meus alunos o direito à educação. Fui ajudar a fazer uma escola sem sala de aula.

Ao longo de cinquenta anos, questionei:

Se a Ponte, sem sala de aula, provou a possibilidade de a todos ser assegurado o direito à educação, porque seria que os ministérios continuavam a construir salas de aula e a ensinar os professores a “dar aula”? 

 

Por: José Pacheco

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