Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDVII

Leiria, 12 de fevereiro de 2044

Assisti ao desaparecimento de centenas de notáveis projetos. Todos estavam devidamente fundamentados na lei e numa ciência prudente. Também todos soçobraram por falta de sustentabilidade financeira. Duraram enquanto durou o voluntariado, a boa-vontade, a filantropia, até mesmo o assistencialismo. 

Enquanto a mercantilização da “escola pública” prosperava, projetos com potencial de mudança definhavam por falta de apoio. 

Ao cabo de trinta anos, a sobrevivente Escola da Ponte viu reconhecida a sua autonomia. Ela tinha raízes num movimento comunitário dos anos setenta, nas famílias que confiaram a educação dos seus filhos à Escola Pública da Ponte. Passou pela publicação de uma Lei de Bases e de um Enquadramento Jurídico da Autonomia das Escolas (Lei 43/89 de 1 de fevereiro), pela publicação da Lei da Autonomia, já em 1997, e a celebração de um contrato, já no século XXI (em 2004). Tinham passado trinta anos de resiliência.

Foi árduo o processo. E só conseguimos alcançar o estatuto de autonomia, porque, a par de uma prática reconhecida como de excelente qualidade, criamos sustentabilidade pedagógica, científica. Aqui vos deixo mais um pouco do textinho redigido nos anos oitenta. Que vos faça bom proveito, apesar de já ser bem antigo.

O meu artesanal textinho começava por afirmar que em toda a aprendizagem havia dependência. Os programas eram “impostos” e era preciso compreender a dimensão da dependência, para poder aprender. 

“Se o modelo (dito) tradicional estabelece um mundo de experiências totalmente subordinado a um controlo gerador de múltiplas dependências, que dizer de modelos (ditos) alternativos ao modelo tradicional? 

Gagné, por exemplo, considera o aluno como inapto para agir por si próprio: “Manter o aluno interessado no que está fazendo e nas habilidades que vai adquirindo é tarefa que requer grande perícia e capacidade de persuasão de uma pessoa, geralmente do professor, que representa o mundo da experiência e da sabedoria do adulto”.

Para este teórico, não restava qualquer dúvida de que ao aluno competia adquirir habilidades e ao professor a ciclópica tarefa de o manter interessado, a capacidade de persuadir, de o motivar… de o seduzir. 

Gagné admitia ser mais fácil ao professor levar a cabo a sua dura missão, se comunicasse com um único estudante de cada vez. E fazia apelo à “instrução programada”, como se tudo fosse programável em função do binómio estímulo-resposta. 

Vai ao ponto de afirmar que “o resultado é também, no sentido verdadeiro, exterior à pessoa que aprende” E ainda esclarece que ensinar implica agir sobre o aluno “com o propósito de: dirigir-lhe a atenção e as ações e guiar o seu pensamento para determinadas áreas”. 

No âmbito das teorias associacionistas, Skinner criara uma versão muito particular de “individualização”, que Gagné reproduzia. Era uma individualização que fazia apelo a uma atividade mecânica e proscrevia a autonomia. 

É Skinner que afirma ser necessário manipular as condutas dos outros para o bem geral. Vai mais longe na defesa da utilização do “reforço positivo”, ao dizer que os indivíduos controlados se sentem livres. 

Considero que Gagné estava certo ao afirmar que um sistema educacional se destinava a “provocar modificações nas capacidades e atitudes”. Resta saber a que “modificações” se referia. Não o disse. 

Nos idos de vinte, o textinho que escrevera, há meio século, mantinha-se atual, apenas desgastado por ação de uma das sete pragas, que afetavam a Educação: o teoricismo. 

Os teoricistas teriam noção do dano que causavam?

 

Por: José Pacheco

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