Viana do Castelo, 22 de fevereiro de 2044
Por aqui ando, queridos netos, no extremo norte de Portugal, visitando escolas, observando aquilo que, nos últimos vinte anos, se conseguiu concretizar: uma nova construção social de aprendizagem, que, efetivamente, garante a todos o sagrado direito à educação. Nos intervalos de viagem, descanso e escrevo. E aqui continuo a falar-vos de autonomia.
Uma das cartinhas enviadas neste mês terminava com uma pergunta: “Em que consistia o trabalho autónomo?” Tentarei responder.
O trabalho autónomo é uma forma de pedagogia individualizada, através da qual o aluno participa na determinação de objetivos, na gestão de tempos e espaços em que os seus projetos decorrem, bem como na avaliação.
O trabalho autónomo tende a anular a dicotomia clássica entre diretividade e näo-directividade, pelo reconhecimento da possibilidade de estatutos e papéis dos intervenientes no ato educativo. Coloca-se, aqui, o tipo de intervenção do professor, que poderá ser “diretiva” (por exemplo, para introduzir no plano de um aluno uma atividade que julgue oportuna), como “não-diretiva” (por exemplo, para integrar no planejamento geral uma proposta individual ou de grupo).
O exercício de autonomia não se confunde com a permissividade, nem dispensa a colaboração do professor, na situação de tutor.
Na Escola da Ponte dos anos oitenta, a partir da prática e da reflexão sobre a prática, foi elaborado um “Perfil do Orientador Educativo”. Eis alguns excertos desse documento:
“1- RELATIVAMENTE À ESCOLA E AO PROJECTO
d) Contribui, ativa e construtivamente, para a resolução de conflitos;
e) Contribui ativa e construtivamente para a tomada de decisões;
f) Toma iniciativas adequadas às situações;
g) Alia, no desempenho das suas tarefas, a criatividade à complexidade, originalidade e coerência;
h) Apresenta propostas, busca consensos, critica construtivamente;
i) Produz ou propõe inovações;
j) Procura harmonizar os interesses da Escola e do Projeto com os seus interesses individuais;
k) Age de uma forma autónoma, responsável e solidária;
l) Procura fundar no Projeto os juízos e opiniões que emite;
m) Domina os princípios e utiliza corretamente a metodologia de Trabalho de Projeto;
n) Assume as suas falhas, evitando imputar aos outros ou ao coletivo as suas próprias incapacidades;
o) Procura dar o exemplo de uma correta e ponderada utilização dos recursos disponíveis;
2- RELATIVAMENTE AOS COLEGAS
a) Está atento às necessidades dos colegas e presta-lhes ajuda;
b) Pede ajuda aos colegas, quando tem dúvidas sobre como agir;
d) Mantém com os colegas uma relação atenciosa, crítica e fraterna;
e) Reconhece e aceita criticamente diferentes pontos de vista, procurando ter sempre o Projeto como referência inspiradora;
g) Apoia ativamente os colegas na resolução de conflitos;
3- RELATIVAMENTE AOS ALUNOS
a) Mantém com os alunos uma relação carinhosa;
b) Procura ajudar os alunos a conhecer e a cumprir regras;
c) Procura ser firme com os alunos, sem cair no autoritarismo;
d) Procura tomar atitudes em sintonia com o coletivo;
e) Procura acompanhar de muito perto e orientar o percurso educativo dos seus tutorados.”
A prática de autonomia passa, igualmente, pela prática da colaboração entre pares. Também aqui o professor-tutor é responsável por uma correta organização, dado que a ajuda entre alunos introduzida como técnica, de forma mecânica, não conduz à entreajuda, ao reconhecimento do outro, ao exercício de solidariedade ativa, não produz autoconhecimento, não propicia aprendizagem de autonomia.
Por: José Pacheco
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