Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXVII

Eunápolis, 3 de março de 2044

No “Adeus às Armas”, Ernest Hemingway escreveu:

“As melhores pessoas possuem um sentimento de beleza, coragem para arriscar, disciplina para dizer a verdade, capacidade para sacrificar. Ironicamente, as suas virtudes tornam-nos vulneráveis; muitas vezes são feridos, por vezes destruídos”. 

Pude comprová-lo, ao longo de décadas de projetos destruídos. E, por essa razão, requeri daqueles educadores que, há vinte anos, empreenderam caminhos novos, uma desobediência consciente e amorosa, aliada à assunção de autonomia.

Quando apelava ao FAZER, não desejava o seu afastamento, mas tão só que não se quedassem pela intenção. E que não agissem sozinhos, isolados. mas sempre em equipe, exercendo autonomia em relação a alguém. A autonomia, entendida como exercício concreto, estava embotada de equívocos. Em toda a autonomia existia dependência e, nesse tempo, não havia uma ciência da autonomia, apenas teoricismo inútil. 

A autonomia a que me refiro estava para além de todos os determinismos e era agida em dinâmicas relacionais de difícil inventariação. Poderia, talvez, ser entendida como a capacidade de controlo de decisões, que não se confundia com a autonomia dos professores em sala de aula. O dador de aula não era autónomo, era autossuficiente, individualista. 

A autonomia formal estava profundamente subordinada às dependências dos professores face a um currículo e a condições materiais do seu desenvolvimento, bem como sujeita a forte controlo administrativo. Esse facto poderá ser atribuído às características do sistema, à debilidade do reconhecimento específico da profissão, ou à dispersão das competências no campo educacional, pois, como diria Montero, os professores “participavan en el cómo, pero no en el qué”.

Nesse tempo, os professores raramente eram considerados como interlocutores. 

Relações de constrangimento não favorecem o desenvolvimento moral, dado impedirem o desenvolvimento da autonomia, porque a criança adota e constrói as regras exteriores. A liberdade que esta ação pressupõe é conflitual com a obediência à autoridade, que caracteriza a apreensão das regras sociais e morais, na escola. E a submissão a regras alimenta-se da necessidade que a criança tem de elogio e de fuga a punições. A perversão do processo de autonomização tem por contrapartida a artificialidade na relação da criança com o professor e com os colegas. 

Os educadores envolvidos no processo de formação de 2024, atuavam nas margens de liberdades possíveis, racionalmente e emocionalmente dirigidos para objetivos precisos. A autonomia praticada era entendida como o autogoverno de uma profissão, que tinha ela própria o controlo das suas funções: critérios de seleção, de ingresso na profissão, regras de comportamento profissional, decisões de renovação, e que desempenhava, de algum modo, papel significativo na determinação da política educacional. 

A autonomia alimenta-se da dependência do sujeito relativamente à sociedade e à cultura, e a escola é uma microcultura que exige adaptabilidade para o exercício de autonomia. Não se processa de modo espontâneo, nem por oposição a constrangimentos impostos pela cultura escolar. Alicerça-se num processo simbiótico, porque não é a organização do caos das solidões – quanto mais autónomo é o sujeito, menos isolado se encontra. 

Poderia, então, redefinir a autonomia como o autorreconhecimento pelo sujeito das suas inevitáveis dependências relativamente à multiplicidade e complexidade do mundo envolvente e do seu mundo interior.

 

Por: José Pacheco

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