Petrópolis, 11 de abril de 2040
No dia 10 de abril de 2020, recebi uma carta enviada pela Ana Clara. Nos seus 15 anos, a Ana “dava um soco no estômago” aos “auleiros presenciais e “virtuais”. Assim se dirigia a ”alguns professores” a jovem Ana:
O ensino sempre foi distante, só passou a ser mais ainda, de agora em diante. Com todos esses mortos, apenas separaram os corpos. Sigo sem saber por que só agora chamam de EAD. O real afeto na escola nunca foi como deveria ser. Eles preferem que os alunos vivam na ignorância, porque, mesmo face a face, o ensino é a distância!
Os estudantes são entupidos de matérias. E, dali em diante, as cabeças viram gritos e histerias, e a criança ainda é dita como pior do que deveria. Números marcados transformam estudantes em gado, é iniciado o processo de desumanização de todo aquele que não for capaz de atingir a perfeição. A consequência disso está nos índices de depressão! Tantas coisas acontecendo na era da informação. É por isso que escolhem a ignorância. Em busca da paz pro coração, tudo que todos menos precisam é de mais pressão.
Nesse tempo em que fiquei em casa, aprendi mais ouvindo Fábio Brazza do que assistindo vídeo aulas. E me dei conta de que não sou eu quem estou atrasada,
mas todo o sistema, que funciona de forma errada.
Hoje, presa aqui, eu só penso: se eu pudesse sair e não tivesse que ir à escola,
o que será que eu faria lá fora? Viveria mil histórias? Voltaria, todo dia, com várias novas memórias? Ou entraria em pânico, porque, querendo ou não, eu não sei mais o que é viver sem pressão? Acho que, se hoje eu fosse livre pra ir embora, eu iria permanecer exatamente onde estou agora, porque não tenho mais a sede de conhecimento que tive outrora.
E olha pra mim! Essa pandemia veio em boa hora, pra mostrar para alguns professores que, atualmente, tanto faz se, eles forem embora… máquinas conseguem fazer o que hoje eles fazem, tanto que a aula continua a mesma, mesmo sendo por WhatsApp.
Enquanto alunos forem apenas personagens buscando passar de fase, não esperem que isso mude, e sim que tudo se atrase, porque, hoje, eu não lembro como se usa a crase, mas lembro de todas as ameaças de suspensões, caso eu me atrasasse. Todo esse dever não nos deixar ver que o esforço não é mútuo, se só o aluno é quem precisa aprender.
Buscam nosso máximo o tempo todo, mas e o resultado disso cadê? É um desespero que, quando adultos, todos fingem esquecer. E as respirações pesadas levam vidas embora, dentro das salas. Saímos da escola, corpos sem almas, sabendo quase nada do essencial.
A carta da Ana fala por si. Uma jovem de quinze anos demonstrava maior consciência da obsolescência da escola da aula do que a maioria dos docentes.
No mesmo dia, outra carta chegou, enviada pelo meu amigo Rafael Parente. Terminava com palavras sábias: “O EAD não pode ser compreendido como estratégia para substituir as aulas presenciais ou para sucatear a educação presencial, mas pode ser fundamental, neste momento, para a diminuição da desigualdade”.
Vinte anos decorridos, a carta da Ana Clara ainda suscita reflexão. Como o foi para professores de há vinte anos, que assim comentavam a carta: ”Vou ler isso todos os dias. É preciso refletir e mudar. É preciso saber que a Educação é algo maior. É amor, mas é também vida, ciência. Cecília, sua filha é muito consciente, sensacional! Mas, tendo você como mãe, não poderia ser diferente”.
Como outros professores, a Cecília, era “diferente”. E, com outros professores “diferentes”, fez a diferença.
Por: José Pacheco
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