Santa Cruz, 15 de abril de 2040
Naquele tempo, já muitos educadores estavam conscientes da necessidade de transformação do sistema econômico, do social, do político… do educacional. Já sabiam que escolas são pessoas, que aprendem umas com as outras, mediatizadas pelo mundo, em qualquer lugar. Dispensados do isolamento social, poderiam aprender dentro de um prédio (a que chamavam “escola”), mas também nas padarias, nas igrejas, nos lares, nos teatros e cinemas, nas bibliotecas públicas, nas usinas, nos campos e florestas, nas ruas e praças… nas pessoas, que são livros abertos.
Pessoas como a Cecília, que desabafava num e-mail: As pessoas fingem que acreditam em inovação e criam ferramentas com nomes bonitos, mas que, no fundo, é a famosa AULA. E é dela que as escolas e secretarias estão sentindo falta, quando enlouquecem com o currículo do 1° bimestre, de que não vão conseguir dar conta! No papel, que fica guardado na gaveta, está escrito que isso tudo que estão enviando para casa deveria ser dado no 1° bimestre! Mas no meio do caminho havia uma pandemia…
O André completava o depoimento da Cecília: Acabamos de divulgar aos alunos da escola os livros elaborados pela secretaria municipal de educação. É uma apostila como todas as outras. Aí recebi uma mensagem de um aluno: Professor, é pra copiar no caderno?
Dá vontade de dar cabeçada na parede, mas aí eu lembro que não sou eu que fico ensinando aluno a copiar o que já está escrito em livros. Aí, minha vontade é bater… Melhor dizendo: dar um abraço bem apertado nos professores teimosos! No dia 14 de abril, o André deu muitos abraços, a mais de mil educadores “teimosos”, que o acompanharam numa “live”.
Poderia preencher várias cartas só com palavras do André. Palavras de homem bom, de homem lúcido, como estas, guardadas num dos meus velhos cadernos: É motivo de tristeza que, no ano de 2020, estejamos planejando ocupar a Lua e Marte, tenhamos carros e motos voadores, construamos edifícios com mais de um quilômetro de altura, tenhamos celulares com capacidade de processamento maior do que computadores caseiros e, ao mesmo tempo, eu tenha que explicar aos meus alunos que a Terra não é plana e que a maior parte dos vídeos, que eles vêem no youtube, são montagens e mentiras.
O advento de um vírus, havia desocultado (finalmente!) a falácia da escola da aula, tinha revelado uma triste evidência: passamos pela escola sem nada aprender de essencial. Temos doutores e mestres andando nas ruas, expondo-se ao contágio e contagiando. Temos Ph.D. entrando em curto-circuito com a quarentena, após uma semana de isolamento social. Ensinamos todo o conhecimento, que a humanidade conseguiu acumular. E não ensinamos às crianças coisas óbvias…
E o pai pergunta: E, agora? Meus filhos ficarão sem aula por 4 ou 5 meses? Eles precisam aprender as matérias, para passarem no vestibular com 18 anos!
E a mãe pergunta: Vocês vão passar trabalho para meu filho estudar em casa?
Se não passarmos, seu filho ficará sem aprender alguma coisa? O que você fez com essa criança, que a tornou incapaz de aprender, mesmo vivendo na era digital? O que você fez com você mesmo, para que essa criança tenha perdido a curiosidade? O que você fez com essa criança, para ela deixar de olhar a vida em silêncio íntimo e elaborar perguntas profundas sobre si mesma? É isso que todas as crianças precisam enfrentar, por catorze anos de suas vidas, para serem chamadas de “adultos”?
Por: José Pacheco
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