Três Rios, 16 de abril de 2040
Assim falava a Cecília: Em casa, as crianças e os jovens não precisam de lista de conteúdos, ou rotina enviada pela escola. Que educação é esta, em que os alunos estudam pandemia nas aulas do ensino médio – sei isso, porque a minha filha teve que estudar isso para um teste – e, na prática, não sabem o que fazer nesta situação? Os nossos alunos não precisam do material da escola, para fazer atividades. Aluno e educador usam a tecnologia para trocar informações, as mesmas que trocariam em suas tutorias, na escola. Simples assim!
No tempo da pandemia, a “Roda Criativa” de Petrópolis já era um locus de inovação. Cinco anos antes, com a Camila e uma equipe de amorosos professores, a Cecília erguera o projeto Alto Independência. Quando a Secretaria de Educação quase destruiu esse projeto, a Cecília foi semear humanidade em outro lugar e fez milagres com as crianças da Comunidade São Jorge. Quando conseguiram destruir mais esse projeto, a Cecília não desistiu e dedicou a sua vida à reinvenção de modos de fazer das crianças pessoas sábias e felizes.
Assim falava a Cecília: Venho pensando em como lutei nestes cinco anos e como tudo se diluiu na burocracia e na ignorância de algumas pessoas, que não prejudicaram só a mim, mas a todas as crianças e famílias. Foi essa Cecília que, no Instagram da Ecohabitare, nos presenteou com uma “live”. Já lá vão vinte anos, mas não me sai da memória a imagem da competência e resiliência!
Essa extraordinária educadora também era dotada de grande senso crítico. De um dos meus velhos cadernos, respigo testemunho da sua reflexão sobre a gestão do tempo de aprendizagem: Não entendo esse negócio de ano letivo, tempos de 50 minutos. Aprendemos 24 horas por dia, nos 365 dias de cada ano (neste ano, até temos um dia a mais).
A Cecília sabia, por exemplo, que o horário de aprender deveria ser o de cada pessoa e o da comunidade. Que o ritmo de aprendizagem de cada aprendiz deveria ser respeitado, assim como os ciclos de vida da comunidade. Que não fazia sentido fixar horário de “entrada”, ou de “saída”. Na sua escola, cada educador estabelecia o seu tempo de ajudar a aprender e de aprender com os outros. O tempo era gerido autonomamente. Acordos eram elaborados por tutores e tutorandos, para se viabilizar uma gestão individualizada do tempo. E, em autonomia, os alunos aprendiam a gerir o tempo, mas também os espaços, os recursos… aprendiam.
Se essa gestão do tempo já era prática comum na escola da sua filha, a Carla não conseguia entender por que razão recebeu, via Internet, um “Horário do Primeiro Ano (adaptado para o período de isolamento)”.
Esse horário de trinta tempos letivos semanais tinha sido enviado pela secretaria a todos os alunos do estado. Estabelecia, por exemplo que, pelas 8 horas de segunda-feira, todos os alunos deveriam estar na aula de Biologia; às 10h30 de quinta-feira, na aula de História; às 12 horas de sexta-feira, na de Matemática… Generosamente, a secretaria também estabeleceu o horário de intervalo diário: entre as 10h15 e as 10h30. Esse seria o tempo em que, no aconchego do lar, a filha da Carla poderia ir fazer xixi, comer o “lanche” e conversar no facebook ou WhatsApp. Isso, se não ficasse de castigo e sem intervalo, claro!
Netos queridos, juro que é verdade! Isto aconteceu durante a peste de 2020. E os desvarios de secretarias instrucionistas não se quedaram por essas absurdas iniciativas. Se tiverdes paciência para ler mais umas cartinhas, outros disparates vos contarei.
Por: José Pacheco
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