Odivelas, 7 de maio de 2040
O ministro nada entendeu da “mensagem do vírus”. Numa comunicação ao país, afirmou que seria “uma escola bem diferente” aquela que encontrariam os estudantes, a partir do dia 18 desse distante mês de maio. Mentiu. Foi uma “escola igual” aquela que ele anunciou: o isolamento social daria lugar ao regresso à mesmice.
O Governo de Portugal decretou que os tempos letivos seriam concentrados apenas no período da manhã ou da tarde. As turmas poderiam ser desdobradas, para garantir o distanciamento social, embora não se indicasse um número máximo de alunos habitando um mesmo espaço. Os intervalos entre as aulas passariam a ter “a menor duração possível” e, entre as aulas, os alunos permaneceriam dentro das salas.
No despropósito desse “regresso às aulas”, as medidas de prevenção da covid-19 consistiriam em reformular horários. As aulas de cada turma deveriam ser consecutivas, para que não houvesse períodos livres entre elas. As escolas deveriam “concentrar o máximo de aulas de cada turma para minimizar o número de vezes que os alunos tenham de se deslocar à escola, ao longo da semana”,
As aulas teriam de ser dadas entre as dez e as dezessete horas. E os horários das turmas seriam desfasados “evitando, o mais possível, a concentração dos alunos, dos professores e do pessoal não docente no recinto escolar”. As salas de “dar aula” não poderiam ser contíguas, mas distantes umas das outras. Dentro delas, haveria apenas um aluno por mesa e deveria ser evitada uma disposição de mesas em que os estudantes ficassem de frente uns para os outros.
Confesso que corei de vergonha, perante mais esse ministerial delírio. E possuído pela indignação, perante o obsceno silêncio dos meus companheiros das ciências da educação face a tantos absurdos – tempo letivo, intervalo, horário de turma, a tralha costumeira do obsoleto sistema de ensinagem
Com o advento da escola de massas, a necessidade de atender mais crianças reduziu o tempo de permanência do aluno na “escola”. Essa medida não constituiu problema, porque não se corrige lacunas de aprendizagem com mais tempo despendido no modelo de ensinagem. Mais tempo dentro de um prédio a que chamam “escola” não correspondia a mais aprendizagem. Nesse tempo da proto-história da escola, tempo passado em sala de aula era tempo perdido. Durante doze anos, os alunos passavam quase dez mil horas dentro delas e nada, ou quase nada aprendiam. Os ministros não sabiam que o tempo de aprender deveria ser o tempo de cada aprendente, articulado com o tempo do trabalho dos professores, das famílias e dos ciclos de vida das comunidades.
A ensinagem produzia nas pessoas a sensação de que “não tinham tempo”. Os alunos ficavam tão absorvidos consigo mesmos, que não dispunham de tempo para a criação de vínculos. O sistema de ensinagem impunha um tempo único, igual para todos, ignorando que os alunos eram seres humanos únicos, irrepetíveis, dotados de um ritmo de aprendizagem específico.
Nesse tempo da proto-história da humanidade, urgia que o professor não desperdiçasse tempo “dando aula” e que se desembaraçasse de um currículo cronometrado. O covid-19 mostrara que, online, o estudante dispunha de algum controle do tempo, do ritmo do estudo e que, no remanso do lar, havia algum equilíbrio entre o tempo de aprendizagem pessoal e o tempo de aprendizagem colaborativa.
Nesse mês de maio, rezávamos para que o Brasil não adotasse os absurdos naturalizados, que o Governo português adotara. Infelizmente, em vão nós rezamos.
Por: José Pacheco
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