Formosa, 30 de maio de 2040

No início deste século, um norte-americano de nome Khan escreveu um livro – “Um mundo, uma escola” – em que falava de uma “educação reinventada”. Eis um excerto desse livro:

A lição tradicional age contra os objetivos da educação pública. A aula acaba por se revelar um meio ineficiente de ensinar e aprender. A minha ideia de educação nunca foi a de que ela estaria completa com uma criança assistindo a vídeos no computador e resolvendo exercícios. Muito pelo contrário. Sempre sonhei em ser mais do que um recurso online. Sentíamos que estávamos em um ponto da história em que a educação podia ser repensada.

O que víamos acontecer, nas escolas que adotaram os vídeos do Khan? Usavam-nos para acabar com as aulas? Não. Muito menos para refazer o seu projeto e reinventar a escola, como o Khan desejava. Aqueles que se reclamaram de o ter como referência apenas “otimizaram” o modelo prussiano de ensino. Foi pior a emenda do que o soneto!

O estopim se deu em 2004. A sua sobrinha Nadia não alcançava boas notas nas provas. Preocupado, Khan elaborou um plano: se a escola permitisse que Nadia refizesse a prova, ele se comprometia a ajudá-la a aprender, à distância. No seu livro, Khan escreveu: “Que fique claro que, no começo, tudo era apenas uma experiência, um improviso”.

Ele trabalhava no mundo das finanças, como analista de “fundos hedge”, uma das aplicações financeiras mais agressivas disponíveis no mercado de capitais, e não poderia dispensar muito tempo na ajuda prestada à sobrinha. As primeiras conversas, que foram realizadas por meio de uma ferramenta chamada Yahoo Doodle e em ligações telefônicas, “foram pura tortura” para o Khan. A sobrinha apenas “chutava respostas” a aprendizagem não acontecia.

Khan aperfeiçoou a metodologia, a jovem fez estudo autonomo, refez a prova e tirou uma boa nota. Sabendo dessa experiência, mais dois sobrinhos se juntaram ao “núcleo de projeto”. Depois, mais dez. E os encontros por Skype com três ou quatro deles começaram a ter o formato de aula. Intuitivamante, o analista financeiro se apercebeu de que essas aulas não eram eficientes, que requeriam conhecimentos de que ele não dispunha e atendeu a sugestão de um amigo: Por que você não grava as aulas e as publica no YouTube?

Não tardou, milhões de estudantes trocaram a sala de aula pelos vídeos do Khan. O que havia de novo nessa proposta e o que ela demonstrava? Havia uma generosa oferta de vídeos e uma “iluminação” – Khan compreendera a inutilidade da “aula” e escreveu: “A maior parte do tempo dos professores é passado a dar aulas expositivas, criando e corrigindo provas, planejando aulas e isso pode ser feito por ferramentas virtuais. As universidades de Stanford, Harvard, o MIT, dizem que não há mais sentido em dar aulas”.

Jornais dessa época, davam notícia de que uma Fundação iria traduzir “mais de 600 videoaulas”. E que ”metade da carga horária da disciplina deveria ser cumprida com os estudantes assistindo aos vídeos ou fazendo exercícios”…

A filial da Khan Academy no Brasil viria a contribuir para uma perniciosa sobrevida da escola da aula. Durante muito tempo, as videoaulas foram mero entretenimento virtual, para gáudio de irresponsáveis “aprendizes de feiticeiro” da educação. Nessa época – confesso – me indignei. Hoje, apenas nutro compaixão por essas pessoas. Não duivido de que tenham agido com boa intenção. E quero crer que talvez não tivessem lido o livro de Salman Khan.

Por: José Pacheco