Mambaí, 03 de junho de 2040
Nesse mês de junho, escolas particulares antecipavam as férias de janeiro e fevereiro, “para que os professores pudessem ser preparados para as aulas online”. E empresas de ensinagem praticavam um marketing agressivo. Exploravam a fragilidade do sistema público de ensino. Tiravam partido das dificuldades sentidas pelas famílias, prometendo soluções mágicas. Inclusive, ensinando as crianças a… brincar. O anúncio rezava assim:
“Você poderá reunir seu filho (a) e seus amigos (cada um em sua casa) através de uma sala de reunião online onde um de nossos recreadores (as) irão comandar brincadeiras e diverti-los por 40 minutos a 1 hora. É necessário que o cliente tenha um computador, tablet ou celular com boa conexão de internet.”
Seguia-se uma lista de preços, para diferentes tempos de consumo do brincar: um preço “para 40 minutos de Recreação On-Line (até 3 crianças no mesmo local), outro para criança adicional na sala em local diferente, até no máximo 12 crianças na sala. Ou 2 sessões de 30 minutos de Recreação On-Line (com intervalo de 10 minutos) etc. etc.” O pagamento deveria ser efetivado por transferência bancária, até a data da live.
No dia em que este absurdo anúncio foi colocado na Internet, muitos educadores me dirigiram e-mails, em que manifestavam surpresa e revolta. A Carla escreveu: Um mundo que contrata pessoas para brincar com os filhos online!!! Quero ir embora desse planeta!!! Desculpe o desabafo.
Respondi: O desabafo é legítimo, querida amiga. Mas não vás embora do planeta, porque o planeta está carente de pessoas como tu.
A Carla não estava sozinha. Era uma “romântica conspiradora” – já vos falei deles – remando contra a maré de insanidade, que um vírus provocou. Defendendo as crianças da sanha persecutória da administração educacional e dos mercadores de ensinagem aqueles educadores manifestavam senso crítico… criticavam e propunham.
Talvez te recordes, Alice, das personificações, que este avô usava, para te falar de sinistras criaturas: Não passou muito tempo até que os ventos trouxessem ecos de infâmia. Aves de mau agoiro ensaiavam papagaios, que são, como se sabe, aves que repetem disparates sem cuidarem de saber dos efeitos. Havia técnicos amorosos e críticos, na administração. Porém quando os Românticos Conspiradores colaboravam com a administração, esses técnicos eram intimidados, ameaçados pelos “papagaios” e proibidos de cooperar. A maioria obedeceu aos “superiores”. Outros assumiram uma atitude ética, consubstanciada em mensagens como esta:
Infelizmente, não tenho boas notícias. Também puxaram meu tapete e, depois de muito sofrimento e reflexão, decidi solicitar minha saída da secretaria da educação. Percebi que estava cercada por pessoas incompetentes e más e não quero mais ficar num lugar onde eu não tenho espaço, apoio e autonomia para trabalhar. (…) Sinto-me envergonhada e triste por ver que a premência está em resolver coisas burocráticas e deixar a educação em segundo plano.
Não se deveria generalizar, porque havia secretarias e secretarias. Enquanto, em Brasília, preparava “a produção de aulas televisionadas”, em Belo Horizonte não se obrigava os professores a fabricar aulas online. A secretária de educação assim se expressava:
Temos que criar uma nova forma de trabalho. Acredito na educação à distância, mas tenho restrições para aderir uma proposta dessas. Sendo secretária, a proposta tinha que me garantir que todos os estudantes estariam envolvidos.
Como vedes, ainda havia gestores competentes e éticos.
Por: José Pacheco
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