Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXI)

Barra do Garças, 05 de junho de 2040

Há cerca de quarenta anos, uma pesquisa concluía que, até cerca dos cinco anos de idade, quase todas as crianças faziam perguntas de modo espontâneo:

Por que é que o céu é azul? De onde vêm os bebês? Tio Zé, por que é que o teu olho é diferente do meu? No final do ensino médio, apenas um por cento dos jovens ainda perguntava algo. Doze anos de escutar respostas a perguntas que nunca fizeram assassinaram a curiosidade.

Vou fazer noventa anos e continuo tão perguntador como quando nasci. Quase nonagenário, mantenho sem resposta silenciosas interrogações:

Onde estou? Quem sou? – E por aí vai… coisa de velho.

Perguntador inveterado, dirigi ao pai António uma indagação, ao que ele respondeu: 

É assim, porque sim! – E por aí se quedou a conversa. Acaso continuasse, provavelmente eu acabaria levando um tapa, escutando:

Já disse! É assim, porque sim!

A minha desconfiança relativamente à eficácia e eficiência das aulas começou a tomar forma, há mais de oitenta anos. Perguntei ao professor Vasconcelos por que razão eu tinha de aprender certos conteúdos, que ele tentava ensinar. Autoritário, como era apanágio de uma época de ditadura, respondeu:

Quando fores grande, irás precisar!

Já sou “grande” e quase nada desse “currículo” me fez falta. Não me fez mais sábio, nem mais feliz. O professor Vasconcelos — que descanse em paz e que Deus lhe perdoe a ingenuidade pedagógica — acreditou ter me ensinado, dando respostas a perguntas que nunca eu quis escutar.

Quando, na década de setenta, fui assistir a uma palestra do Professor Lobo, o submundo da escola da aula se apresentou à minha compreensão. Lobo era professor há trinta anos. Contou que, durante duas décadas, sempre dera aula e castigara os alunos que não soubessem a tabuada… até que, certo dia, infligiu um castigo corporal a um aluno. Este, susteve o choro e perguntou:

Professor, por que nos bates? Por que não nos ensinas?

Até então, Lobo era um professor como outro qualquer. Desde há dez anos, já não o era. Havia trocado o dar respostas sem perguntas pelo perguntar e ajudar a aprender. Deixara de dar aula.

Lembrei-me do Professor Lobo e daquilo que, providencialmente, com ele aprendi, quando, por junho de 2020 e para tentar entender o porquê de se insistir na aula online e nas aulas televisionadas, disponibilizei um tempo, para observar uma “aula síncrona”. Entre respostas sem perguntas e uma “ficha de avaliação final”, eis o que vi e ouvi:

Roberto, cadê o uniforme? Eu disse à tua mãe que o colégio disse que era obrigatório o uniforme nas aulas online! Não há mas, nem meio mas! Vai já vestir o uniforme! E volta rápido! Ouviste?

Sônia, não mexas no trabalho do teu colega!

Maycon, está calado!

Vivian, onde estás? Não vás embora! Caiu, ou desligaste? Alô Vivian! Vivian!!!

Guris, eu já aviso. Se alguém sair da Internet, vai ter negativa no fim do semestre! E vou comunicar à diretora!

Serginho, deixa o teu colega falar. não vês que só pode falar um de cada vez?

Tia, posso ir ao banheiro? (…)

Quando a pandemia obrigou ao fecho das escolas, confirmou-se um princípio: escolas não são prédios. E o meu amigo e conservador professor Gustavo se interrogou e entrou em crise, quando lhe dirigi uma pergunta a que ele não conseguiu dar resposta:

O que se deve aprender dentro das quatro paredes de uma sala de aula, que não possa ser aprendido fora delas?

A mesma pergunta vos dirijo, netos queridos. E ao eventual leitor destas cartinhas. Fraternalmente, também convido a administração educacional a dar resposta a esta e a outras interrogações.

Por: José Pacheco

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