Jataí, 12 de junho de 2040
Voltando às estórias da minha amiga Teca…
Esta é a escola que o Brasil oferece: escola de submissos, de ouvintes, de papagaios que repetem apenas aquilo que ouviram. Mas vamos pensar na escola que caminhou com dignidade rumo a uma mudança, incomodou-se com a fila quilométrica para pegar um prato de comida, preocupou-se com o barulho de fábrica que é o sinal ensurdecedor, que tocava avisando a todos que, bovinamente, deveriam entrar e sair dos seus currais, chamados de sala de aula.
Um dia, quando fizemos uma assembleia com as crianças (o que agora é uma prática da escola, para juntos resolvermos os problemas, sugerirmos coisas, e aplaudirmos o que está bom), eles colocaram assim no quadro:
“Vamos aplaudir o respeito pela gente, o carinho dos professores, a atenção”.
Como não vamos nos curvar para uma escola diferente, melhor, sem ranços, com ousadia? As crianças, hoje, são outras, a pós-modernidade busca novos desafios, novos métodos. Mas, sabe o que é pior? Nada disso é novo. E, como dizia Cassia Eller: “Mudaram as estações, nada mudou…!”
A Teca estava cheia de razão: nada mudara. A escola continuava tão prussiana, como no século XIX. O “sinal ensurdecedor” fora trocado por musiquinhas e suaves toques de campainha movida por computador. Mas, com ou sem fila, com ou sem continência, as criancinhas marchavam “bovinamente, para as salas de aula”. Faziam fila no refeitório e, por vezes, até para ir ao banheiro, no horário de recreio.
Havia fila no horário de entrada e outro de saída. Havia fila para ir ao gabinete da diretora, porque se “aprontou”. Quando adultos, haveria fila para matrícula, fila no posto de saúde, fila do centro de desemprego, fila da “sopa dos pobres”, fila – de mascarados, ou sem máscara – do “auxílio emergencial”, até à fila de caixões, numa vala comum.
Chegada ao refeitório, a Cida deparou com uma longa fila e no último lugar da fila se colocou. Não tardou que uma criança lhe dissesse: Tia, por que não vai lá para a frente da fila? Por que não “fura a fila”?
Meu querido, eu não “furo fila” – contestou a Cida.
A criança insistiu: Na nossa escola, as educadoras passam à nossa frente. Você é educadora, pode passar.
Exatamente por ser educadora é que eu não vou para a frente da fila, meu querido – completou a Cida. E por aí se quedou o breve diálogo.
A Cida herdara uma cultura diferente daquela que ali prevalecia. Havia trabalhado numa escola onde palavras como respeito e cidadania não serviam apenas para enfeitar um PPP escrito, onde as regras eram decididas em coletivo e por todos cumpridas, onde os valores escritos não eram negados na prática. Não se educava para a cidadania; educava-se no exercício da cidadania, em contextos de liberdade responsável, na igualdade da diversidade. Isso ela aprendera numa escola onde não se “furava fila”.
Na escola de “furar fila”, a Cida surpreendia-se com o fato de haver banheiro de aluno (coletivo e sem espelho) diferente de banheiro de professor (coletivo e com espelho) e este separado do banheiro do diretor (privativo e com espelho). Surpreendia-a que todo mundo “achasse normal” que até no defecar e urinar houvesse hierarquia. Vícios e tabus se revelavam nos mais ínfimos pormenores e tendiam a esconder a origem de modos de dominação.
Disso consciente, a Cida não se surpreendeu, quando uma solícita supervisora lhe disse que desse as suas aulinhas e fizesse o que lhe mandavam fazer. E que uma prudente diretora a aconselhasse:
Cida, tenha paciência. Aqui, manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Por: José Pacheco
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