Mangueiral, 13 de junho de 2040
No dia 13 de junho de 2020, a Internet dava conta de duas tristes notícias. “Um casal de Bolonha, resolveu dar o nó. E o casamento terminou “com 31 em quarentena”. A segunda notícia era trágica: “Morreu o padre dos casamentos de Santo António”. Triste coincidência, a provar que se poderia ficar indefinidamente à espera de uma vida vivida, mas que a morte nunca esperava – havia lagartas com sorte; outras nunca veriam a sua primavera…
Na primeira das cartas de 2001, disse-vos que os vossos pais se amaram e quiseram que viésseis ao mundo num tempo incerto. Não esperaram por tempos seguros, que, nestas coisas do amor, como nas de aprender, o que é urgente não deve esperar.
Para a Brígida era urgente casar-se. Quase com quarenta anos, decidiu fazer o que lhe haviam recomendado, anos a fio. Que colocasse uma imagem de Santo Antônio de cabeça para baixo, dentro de um copo contendo água ou cachaça. E que prometesse deixar o santinho nessa posição, até encontrar seu amor. Dizia-se que, tomada a decisão, o santo mandava a resposta rapidinho. E assim foi. Reencontrei a Brígida já com duas gêmeas no colo. Conversamos sobre as coisas do amor. Felicitei-a e a conversa descambou para as coisas da profissão:
Sabes, Zé, que até aos meus quarenta, nunca pude fazer o que a minha consciência me mandava fazer?
O quê? – perguntei.
Essas coisas que tu fazes, lá na Ponte. E, agora, também não posso. Tenho duas filhas para criar… entendes, não entendes?
Entendo, minha amiga. Entendo! – e dei um beijo na Brígida e outros dois nos bebês.
O casamento da Itália era sinal de aviso, recomendação de prudência no regressar à “normalidade”. Por exemplo, da necessidade de colocar freio na pressa do “regresso as aulas”. Na mesma semana e no Algarve, essa pressa tivera como consequência que mãe e filho ficassem infetados e um jardim de infância fosse, de novo, encerrado.
A pressa de sair da situação de pandemia, que vitimara milhares de pessoas, contrastava com a passividade perante os trágicos efeitos de outra pandemia: a pandemia instrucionista. Esta também viera do hemisfério norte e, desde o século XIX, provocara a morte intelectual e moral de milhões de seres humanos.
Na Europa do início do século XX, a italiana Montessori havia dito que educar para a cooperação e a solidariedade era pôr a paz em movimento. A escola da modernidade, a da pandemia instrucionista imposta pelo poder público, contribuía para destruir os valores fundamentais da cooperação e da paz.
A modernidade líquida confirmara-nos numa ética individualista, promovia a liberdade individual baseada na competição predatória nas relações econômicas e sociais. No tocante à educação, a situação poderia traduzir-se pelo “olha para o que digo, não olhes para o que faço”, quando o FAZER se impunha como necessidade premente, desde há mais de um século.
Muitos mestres afirmavam o primado do “fazer”. Anatole afirmava que para se fazer grande coisas, não bastava sonhar; a obra maior de Dewey tinha por título “Learning by doing”; e o Mestre Yoda avisava: Faça, ou não faça! Não existe tentar!
O Renato cantava que cada ser carregava em si o dom de ser capaz… dispúnhamos da capacidade de nos reinventarmos, que se traduzia naquilo que conseguíssemos fazer com aquilo que haviam feito de nós. Toda a caminhada começaria pelo primeiro passo, no agir, no fazer. Depois, seguindo a via de uma freiriana dialética, no refletir e refazer. Toda a transformação começaria com a decisão de começar. O primeiro passo de um processo de mudança decorria da decisão de mudar… de FAZER!
Por: José Pacheco
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