Seixal, 24 de junho de 2040
Longe vai o meu tempo da juventude. Velho, que estou, não aguentei toda a “noite de São João do Porto”. Viajei para o sul. E já me encontro entre Sesimbra e Seixal, visitando as comunidades de aprendizagem, que por aqui surgiram, há cerca de vinte anos.
Mais uma vez, vos falo da pandemia instrucionista – nunca será demais – e dos seus maléficos efeitos, sob a perspectiva da Mãe Carolina, autora de um “Manifesto” divulgado no junho de há duas décadas. Transcrevo do original:
“Pesquisas médicas e evidências científicas vão se acumulando e sendo atualizadas sobre os prejuízos à saúde, quando ocorre o uso precoce, excessivo e prolongado das tecnologias, durante a infância e adolescência, e os efeitos em longo prazo. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, no Manual de Orientação, elaborado para a conscientização sobre o uso de telas, os principais problemas médicos e alertas de saúde de crianças e adolescentes na era digital são: dependência digital e uso problemático das mídias interativas; problemas de saúde mental: irritabilidade, ansiedade e depressão; transtornos do déficit de atenção e hiperatividade; transtornos do sono; transtornos de alimentação: sobrepeso/obesidade e anorexia/bulimia; sedentarismo e falta da prática de exercícios; bullying & cyberbullying; transtornos da imagem corporal e da autoestima; riscos da sexualidade, nudez, sexting, sextorsão, abuso sexual, estupro virtual; comportamentos auto lesivos, indução e riscos de suicídio; aumento da violência; problemas visuais, miopia e síndrome visual do computador; problemas auditivos e PAIR (perda auditiva induzida pelo ruído); transtornos posturais e musculoesqueléticos…
Talvez não fosse do conhecimento dos desgovernantes de então este repositório de perdas e perigos. Meses a fio, castigaram os jovens alunos com uma sobrecarga de aulas online, videoaulas, múltiplas tarefas, para serem realizadas com recurso ao computador. A pandemia instrucionista operava mais estragos do que a pandemia do covid-19. Não lhes passaria pela cabeça sequer que seria possível evitar tamanha exposição à emissão de radiação emitida na tela do computador… os desgovernantes da educação jamais admitiram a sua responsabilidade pelas lesões causadas no corpo e no espírito dos infantes. E despenderam fortunas em contratos firmados com empresas do digital e canais de TV.
Prevaleciam economicistas interesses, em detrimento dos interesses das crianças. Nas decisões de política educacional, critérios de natureza administrativa se sobrepunham aos de natureza científica. Mas, como diria o poeta, mesmo em tempos de servidão, há sempre alguém que diz “Não!”.
O Leonardo me dizia ter enviado e-mail para os setores administrativo e pedagógico do colégio do seu filho, questionando a centralidade das aulas online e o seu crescente desinteresse diante das aulas entediantes e dos outros absurdos, como o cronograma de provas e outras cobranças:
“Ainda não obtivemos nenhuma resposta. Nesta semana, recebemos o boletim com as notas. Quando o nosso filho viu as notas (consideradas “boas”), ele mesmo nos disse: “Isso, aqui, é uma farsa! Eu praticamente não participei de nada!”
“Pediu para deixar o colégio. Já não assiste às aulas online. Decidimos em família: Basta desse faz de conta!”
O que impedia que outros pais decidissem? O que justificava a passividade, o conformismo, a cumplicidade da maioria dos professores, perante o genocídio educacional perpetrado pelos desgovernantes desse tempo?
Por: José Pacheco
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