Trafaria, 29 de junho de 2040

Querida Alice,

Escolheste ser psicóloga, porque desejavas estudar a mente humana e ajudar a dissipar o medo e os problemas de relacionamento sentidos pelos humanos da década de vinte. Na psicologia comportamental estudaste a famosa “caixa de Skinner”. Nesse tempo, as escolas seguiam à risca a Teoria do Reforço, na crença de que o comportamento pode ser influenciado e determinado pela gestão de recompensas e punições a ele associadas. Bem cedo, o meu amigo Filipe tomou consciência dessa skinneriana armadilha:

Recordo-me do meu maior receio, o de não conseguir controlar a turma! Na faculdade, ensinaram-me que não podia dar confiança aos alunos, porque eles abusariam. Então, tentei ser empático. Não resultou. Eram ingratos. Abusavam da confiança.

Na sala dos professores, aprendi que se mantinha os alunos quietos marcando faltas disciplinares. Os meus colegas mais velhos foram bem claros: “Tens de os ter na linha, dar-lhes rédea curta!” Comecei a colocar alunos na rua, até as aulas começarem a tomar um rumo.

E resultou? – perguntei.

Não. De fato, tenho observado que, de uma maneira ou de outra, perdemos muito tempo de aula com a indisciplina. É cada vez pior!

 

Longe ia o tempo em que o pai era a autoridade na família e o professor era a autoridade na escola, devendo os jovens obedecer a ordens e estar atentos às lições. Nos idos de vinte, a indisciplina – herdeira do autoritarismo e da permissividade – ocupava o lugar do “respeitinho” de antigamente.

Apesar de reconhecer a complexidade do assunto, eu ousava apontar pistas de reflexão. Numa escola, onde trabalhei durante trinta anos, acolhíamos jovens expulsos de outras escolas, porque haviam maltratado ou posto professores de outras escolas em estado de coma… imaginai a que ponto chegava a violência!

Compreendemos que, onde não havia diálogo, havia coação, prepotência, violência simbólica e física, e as atitudes de titulares do poder público de então eram disso reflexo.

Nessa escola não nos confrontávamos com falta de autoridade. Colocámos uma pedagogia da pergunta no lugar antes ocupado pela da resposta, escutando, levando em consideração o que o outro nos dissesse. Porque nos apercebemos que não poderíamos resolver os problemas dos jovens sem resolver os problemas dos adultos – ninguém dá aquilo que não tem, ninguém transmite aquilo que não é – e de uma educação para a cidadania passámos a uma prática de educação na cidadania, no exercício de uma liberdade responsável.

Os estatutos não se confundiam – professor era professor; aluno era aluno. Mas, para conseguir recuperar a autoridade, seria necessário que o professor se conhecesse afetivamente e se reconhecesse no outro. A segurança gerada permitia ao professor ser senhor de si, elevar a sua auto-estima e beneficiar de hetero-estima. Mas, quem cuidava da melhoria da formação pessoal e social do professor? Quando aconteceria a ruptura com a cultura do “cada qual por si”, que infestava as escolas?

A psicologia do comportamento reconheceu efeitos indesejados da punição. Na terapia comportamental, a palavra “punição” se referia a procedimentos de fazer seguir ao mau comportamento uma consequência, visando diminuir a probabilidade de nova ocorrência. Mas, não era bem assim como se dizia. Na ausência da definição conjunta de regras de convivência, as ocorrências… ocorriam. E muitos dos considerados violentos continuavam a ser… violentados. Como diria o Brecht, “diz-se das águas de um rio que são violentas, mas nada se diz das margens que as comprimem”.

Por: José Pacheco