Caldas Novas 27 de julho de 2040
No meio do internético entulho, achei um textinho com um título bem sugestivo: “Um momento para recriar a educação”. Com a devida vênia reproduzo breves passagens, pois o seu início é auspicioso.
“Podemos estar prontos para acolher o imprevisto, as mudanças de rota, as incertezas e as dificuldades, mas temos que concordar que diante da atual situação, que o coronavírus trouxe, quase todos os paradigmas usuais e conhecidos foram quebrados.”.
O textinho é auspicioso até sugerir a transferência do instrucionismo para o virtual…
“A única ferramenta que temos disponível atualmente é o ensino a distância. Os canais on-line, as plataformas, os sites, as redes Facebook e WhatsApp e as vídeo chamadas. Frequentemente criticados no passado recente, hoje se tornaram nosso principal recurso, para manter relacionamentos e superar a sensação de isolamento”.
Depois, apesar de manifestar alguma ambiguidade, retoma o rumo inicial.
“Porém, precisamos manter claro o significado, a intenção profunda de quando usamos essa forma de ensino – que é manter vivo nos alunos o sentimento de pertencer à comunidade escolar, suprir a necessidade de estar juntos, de compartilhar, de sentir-se parte de um grupo, possibilidade de encontro (…) de troca e de escuta, para romper a solidão e o isolamento”.
Como referi, da tralha mercadológica, que poluía a virtual comunicação, emergiu esse exercício de algum bom senso. Porém, maculado pelo pressuposto de que só havia um caminho a seguir, o da ensinagem.
O Piaget escreveu que a educação era a única área das ciências humanas em que todo mundo se considerava especialista. O autor do textinho era formado em marketing e empreendedor na área de tecnologia. À semelhança de outros marqueteiros, confirmou a piagetiana afirmação. Para esses gurus do digital, as ciências da educação eram ciências ocultas. Mas atreviam-se a escrever livrinhos com sugestivos títulos, como “A educação do Século XXI”, reificando a inteligência artificial no monitoramento dos padrões de preferência cerebrais de estudantes – “Big Brother is watching you!”.
Três possíveis cenários pós-pandêmicos se apresentavam. O mais provável seria o “regresso à sala de aula”, que, desde há dois séculos, era causa da hecatombe escolar. O segundo era assustador: a manutenção do instrucionismo geminado com o digital, o da tecnologia ao serviço de grandes empresas do ramo da educação. O terceiro eventual cenário seria o da concepção de uma nova construção social de aprendizagem. A harmonização do presencial com o virtual aconteceria no contexto de territórios educativos compostos de “círculos de vizinhança” autônomos e com acesso à Internet.
Os aprendizes de feiticeiro do instrucionismo digital não conseguiam entender que a coexistência do presencial com o virtual aconteceria num casamento perfeito. Após um divórcio, claro! Um divórcio que augurava ser litigioso, entre uma nova escola e o velho e esclerosado sistema de ensinagem.
Em finais de julho, a mercantilização da educação impunha-se, agressiva, disfarçada de internéticas “comunidades escolares”. Nessas “comunidades”, contemporâneos dos marqueteiros do digital surtavam, por terem deixado entrar nos seus lares a internética sala de aula. E as escolas particulares faziam carreatas, exigindo o “regresso às aulas”… presenciais.
Por: José Pacheco
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