Taguatinga, 29 de julho de 2040
Há dias, recebi uma carta enviada pela mãe de duas crianças, residente num lugar bem pertinho daqui. Sei que não mereço os elogios que a Luana me faz, mas não os retirarei da missiva. Acolho a expressão do seu saber cuidar, encaminhando o seu preito de gratidão para os educadores que tão bem cuidaram dos seus filhos. Que os encômios da Luana sejam uma singela homenagem aos professores brasilienses que, há vinte anos, mudaram o rumo da educação.
Transcrevo a carta, sem lhe acrescentar qualquer comentário. Sei que, pela sua leitura, compreendereis que havia mães atentas e responsáveis naquele tempo.
Olá, professor José Pacheco.
Lhe escrevo essa carta para agradecer, por me dar coragem para não deixar que ninguém fechasse as asas dos meus filhos, das minhas crianças. Em 2020 te ouvia sempre clamar, com muita emoção, que os professores se respeitassem e fossem éticos consigo e com os alunos que amavam. Não, eu não sou professora e por isso não pude seguir os seus conselhos, mas, ouvi-los, tão intensamente, levou-me a procurar onde estavam aqueles professores que optaram por segui-los.
Naquele 2020, quando fomos obrigados a ressignificar tanto, resolvi ressignificar o modo como queria que meus filhos aprendessem. Me encorajei a buscar uma educação que rompia com os moldes defasados do século retrasado. Você morava aqui no DF e eu também. Então pensei que, se estava tão perto de mim quem pregava uma mudança, estava perto, também, a própria mudança.
Naquele julho tão cheio de incertezas sobre nossos modelos de escola e sobre os métodos que obrigavam meus filhos a se encaixarem, resolvi falar com você. Precisava que me dissesse por onde eu poderia começar. Precisava que me dissesse se uma mãe poderia ir contra todo um sistema imposto, que lutava contra as mudanças. Precisava que me dissesse, onde, aqui na nossa cidade, eu poderia encaixar os meus filhos que, até então, estavam sufocados dentro de uma sala de aula.
Minhas crianças tinham 5 e 7 anos. Os conselhos que me destes à época e a coragem que invadiu esta mãe, mudaram todo o resto. Tomei a coragem que encontrei, depois de nossa conversa. E busquei os caminhos que me indicaste. Aquela escola e aqueles professores me ajudaram a elaborar um novo caminho por onde meus filhos andaram livremente, enquanto aprendiam.
Estou sentada na mesa de jantar da minha casa olhando para as minhas crianças, hoje, com 27 e 25 anos. Que belos caminhos puderam percorrer! Sorte deles que, ainda crianças, viram o mundo resolver questionar os moldes de uma educação amarrada em outro século. Sorte dos meus netos, que, um dia, virão e que já poderão desfrutar da aprendizagem nos moldes do século em que vivemos. Sorte a minha, que tive a coragem de romper e que, com a ajuda de gente como você e tantos outros dispostos a ressignificar o modelo que ainda tínhamos naquele 2020, pude ver crescer junto com meus filhos o projeto de um novo aprender!
Tenho, aqui, em casa, dois adultos com alma de criança, porque não desaprenderam de perguntar! Tenho, aqui, dois adultos, que, saudosamente, falam sobre os tempos de escola! Tenho, aqui, duas crianças que tiveram a coragem de dizer o que queriam aprender e a oportunidade de o aprender. Tenho, aqui, dois adultos realizados profissionalmente, porque aprender aquilo que fazia sentido para eles os empolgaram a ir bem longe. Tenho, aqui, duas crianças que adulteceram e não se adulteraram!
Graças a tantos professores que resolveram respeitar o que faziam. Graças a eles, que resolveram encarar a educação de forma ética e com amor pelas crianças que tinham nas mãos. Graças a tantos idealizadores, que vieram antes de 2020 e graças a tantos outros que, em 2020, lutaram. E graças a tantos mais, que continuaram a luta até aqui.
Graças ao seu apoio. Graças à criança que havia (e que há) em mim e que precisava ver não morrer a criança que havia (e que há) dentro dos meus filhos.
Me despeço, com gratidão. Um abraço! Luana.
Por: José Pacheco
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