Tangará da Serra, 11 de agosto de 2040
No Portugal de 1987, por Resolução da Presidência do Conselho de Ministros, foi criado o Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Educativo (PIPSE). Visava reforçar a ação e os meios educativos em zonas prioritárias de intervenção caracterizadas por índices muito elevados de insucesso.
As ações prioritárias incidiram sobre: o reforço dos cuidados de alimentação, a prestação dos cuidados de saúde, prevenção e diagnóstico, o alargamento da cobertura em educação pré-escolar, o fortalecimento da educação especial, o apoio a famílias carenciadas, o fornecimento de materiais escolares, o apoio pedagógico, a Iniciação profissional, entre outras.
O vosso avô foi eleito coordenador desse programa. Sem abandonar a equipe da Escola da Ponte e com outra equipe também constituída por excelentes profissionais, fui trabalhar no chão de outras escolas. Acompanhamos e apoiamos centenas de projetos. Ao cabo de quatro anos de intenso labor, avaliamos internamente o nosso trabalho. Eram relevantes os seus efeitos, tinha acontecido mudança, melhoria dos índices e até inovação. Em 1991, esse programa foi extinto. E não há notícia de ter sido avaliado externamente.
Em 2020, um edital do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE) convidava à apresentação de planos de desenvolvimento pessoal, social e comunitário, no âmbito da promoção do sucesso e inclusão educativos. Nesse edital, se repetiam intenções plasmadas no PIPSE de 1987, num lindo, sofisticado discurso, que não disfarçava a pobreza da prática:
“O sucesso e inclusão educativos requerem a garantia de condições para aceder ao currículo (…) devendo a escola ser um instrumento de mitigação das desigualdades socioeducativas, garantindo o acesso ao conhecimento como a chave para a mobilidade social e o êxito educativo de todos e cada um dos alunos e contrariando o absentismo e o abandono. Exige-se uma ação integrada da escola com os demais atores sociais com impacto educativo na comunidade, designadamente, no estreitamento da relação escola-família, da relação entre o aluno e o seu bairro/comunidade (…) que permitem a construção de uma relação diferente com a escola”.
Trinta e três anos depois do PIPSE, o ministério da educação lançava o edital do PNPSE. Apenas mudara uma letra: o I era substituído por um N. Em mais de três décadas, vários programas tinham sido lançados, todos com o mesmo efeito: o N de…nenhum!
Mais uma vez, se “reinventava a roda” da educação, com diferenças, que devo assinalar. O PNPSE de 2020 incidia na relação da escola com a comunidade, no pressuposto de que era preciso levar a comunidade para a escola ou a escola para a comunidade, admitindo que a escola continuaria sendo um prédio isolado da comunidade por muros e portarias. O PIPSE de 1987 transformava escolas em espaços de efetiva aprendizagem e em locus de encontro da comunidade a que pertencia. Enquanto o PIPSE, que coordenei, acabou com escolas da aula, melhorando a aprendizagem, produzindo efetiva inovação, o PNPSE pretendia dar “combate ao insucesso escolar… na sala de aula”.
Em 2020, ainda havia quem pensasse ser possível “inovar em sala de aula”. Ainda havia cabeças entre duas orelhas surdas aos avisos que um vírus lançava. Hoje, sabemos que o PNPSE não passou de mais uma inútil iniciativa ministerial. Mas, em 2020, houve quem acreditasse nas virtudes do programa e a ele aderisse. Impotente para deter mais essa ministerial besteira, restou-me pedir a Deus que os perdoasse.
Por: José Pacheco
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