Tangará da Serra, 2 de setembro de 2040
Num espaço público, encontrei parte da explicação para a dificuldade de as escolas se emanciparem de práticas fósseis. Um professor de faculdade de pedagogia (presumo que o fosse) falava tão alto no celular, que isto escutei:
“Vou chegar à faculdade em cima da hora da aula. Poderás xerocar as páginas que os meus alunos de pedagogia vão ler hoje? Faz-me esse favor!”
Nos idos de noventa, uma instituição de ensino dito “superior” convidou-me para nela “dar aula”. Quem me convidou achou estranho que eu dissesse que não daria aula. E eu achava estranho que, numa instituição de formação de professores ainda houvesse alguém “dando aula”.
Nessa faculdade, escutei lamentos de uma aluna, a quem a orientadora de estágio dissera que ela nunca iria ser uma boa professora, porque… “falava muito baixinho”:
“As coisas estão muito complicadas. Os problemas que tive no estágio refletiram-se na média final do curso. Está muito complicado. A sensação de frustração e de incompetência é enorme. Arrependi-me de ter vindo para este curso e ainda hoje me pergunto se alguma vez serei professora”.
Essa jovem passou por uma profunda crise existencial. Queria ser uma professora “diderente”, mas acabou por desistir de ser o que queria ser.
No Brasil, universidades pagaram centenas de milhar de reais a norte-americanos, que “deram cursos” (deram aulas), para os professores “adotarem novos modelos de aula, adotarem novos tipos de aula, para que os alunos pudessem absorver melhor os conteúdos” (sic). Peremptório, um desses professores afirmava:
“Não dá para abandonar as aulas tradicionais de uma só vez”.
Pois não! Nem as “tradicionais”, nem as “modernas”. Nem de uma só vez, nem nunca! Esse douto personagem não conseguia perceber que, mesmo adjetivada de “invertida, ou híbrida”, aula era aula, dispositivo central de um modelo de escola, que condenava à ignorância milhões de brasileiros. Não seria já tempo de a universidade assumir a sua quota parte de responsabilidade nesse genocídio educacional? Se a universidade era produtora de ciência, não deveria abandonar práticas desprovidas de fundamento científico?
No Brasil, coordenei uma pesquisa, verificando que a modalidade “curso” era hegemônica no cardápio de uma “Escola de Aperfeiçoamento”. E que o impacto de dezenas de anos de realização desses cursos era, praticamente, nulo. A formação de professores se constituía em poderoso obstáculo, em nó górdio da mudança.
Durante a pandemia, a Internet ficou inundada de aulas. Havia quem vendesse cursos on-line sobre “metodologias ativas”, “transtornos de aprendizagem” “gravação de videoaulas”, “estratégias didáticas”, “marketing educacional”, “estratégias para sala de aula” e outras milagrosas soluções para os males do sistema, com direito a… “certificado digital”. Marginalmente, formadores “radicais” arriscavam divulgar a obra de Freire. Mas, como se tratava de freirianos não-praticantes, eram frequentes comentários deste tipo:
“É tudo teoria! Vê-se bem que esses doutores nunca puseram os pés no chão da escola!”
Voltando ao Portugal dos idos de noventa: os centros de formação eram sorvedouros de recursos disponibilizados pelo fundo social europeu, fortunas eram delapidadas em cursos e outras modalidades formativas de inútil ensinagem. Numa entrevista, perguntaram por que razão a Associação PROF deixara de fazer formação financiada e com direito a certificado. Respondemos que não queríamos ser coniventes com uma grande mentira construída sobre milhões de euros.
Por: José Pacheco
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