Uruana de Minas, 5 de setembro de 2040
No início de setembro, talvez reagindo a manifestações de familiares de alunos de escolas particulares, desgovernantes propunham o “regresso às aulas”. Talvez também estivessem reagindo aos resultados de enquetes e temessem perder votos no processo eleitoral, que se aproximava. “Alertavam” para riscos de um confinamento prolongado e, mancomunados com empresas e fundações, apelavam a que “as escolas não ficassem fechadas para sempre”. Quanta hipocrisia!
O regresso a aglomerações humanas num prédio chamado “escola” era algo prematuro. Não havia condições objetivas de um “regresso” em segurança. Com o aumento de casos de covid-19, até os Estados Unidos do Trump reavaliavam a possibilidade do regresso às aulas presenciais, no curto prazo. E governantes conscientes admitiam o adiamento do retorno:
“Precisamos assumir que não temos condições de retornar às aulas em 2020”.
Se o regresso *a escola” era imprudente, precipitado, o “regresso às aulas” anunciava-se temerário e até mesmo criminoso. Se numa aula nada se aprendia de útil, por que “regressar às aulas”?
Entretanto, este vosso avô acompanhava o excelente labor de educadores que, durante a pandemia, não perderam o contato com os seus alunos e que jamais “regressariam à sala de aula”. Preciso falar-vos desses educadores “utópicos”, caluniados, perseguidos, ignorados, ou remetidos para compulsivas solidões. Quero dar a palavra a uma Liliana, generosa professora, que resistiu aos convites do fácil e do cómodo e que representava milhares de “utópicos” desse tempo:
“As incertezas, as dúvidas e as lágrimas ainda me perseguem. Os dias passam de uma forma alucinante e sinto-me cada vez mais infeliz. Chego mesmo a duvidar se esta será a minha vocação. Sinto-me tão insegura que na escola aparento ser mais uma “professora” (daquelas que eu tanto criticava). Às vezes, não sei o que fazer: não quero continuar assim, mas também não sei como alcançar a escola dos meus sonhos. Mas não se preocupe, não serei daquelas professoras que lhe provocam pesadelos. O que me irrita profundamente é saber que não estou a agir da melhor forma. E não consigo fazer nada para o evitar. Bem, acho que ter consciência é “meio caminho andado”. Para alcançar o sonho, basta-me ser forte, escutar o meu coração e sobretudo o coração dos meus meninos, não é? Obrigada por receber este desabafo. Espero que o próximo seja mais sorridente!”
Só mais um “utópico” depoimento:
“Sei que é uma pessoa ocupada. Apenas lhe escrevo como desabafo, tal como escreve as suas histórias. Não sei se, quando me conheceu, achou que eu seria uma boa dadora de aulas ou uma aspirante a professora. A verdade é que cada palavra das suas histórias me faz chorar. Não consigo fazer as minhas crianças felizes, não estou feliz com a professora que sou e não sei o que fazer. Professor, a realidade aqui é tão feia. Me sinto sufocada. Mas, graças às suas histórias e juntamente com as lágrimas, surge a esperança e a vontade de fazer e ser melhor.”
Suspendo as citações para concluir esta cartinha com um registro que um primaveril e auspicioso setembro me suscitou. No setembro de há vinte anos, muitos “utópicos” educadores se organizaram numa solidária rede: a “Rede das Comunidades de Aprendizagem”. A obsoleta escola “anglo prussiana” começava a dar lugar a uma nova escola, a que poderíamos chamar “luso-brasileira”. No Distrito Federal, utópicos “candangos da educação” começavam a dar forma à profecia de Dom Bosco: ”Aparecerá, aqui, a terra prometida, de onde jorrará leite e mel”.
Por: José Pacheco
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