Brasilândia de Minas, 14 de setembro de 2040
Nas cartinhas que para vós escrevi, no início do século, contei uma estória muito antiga, passada nas praias de Madagáscar, onde vivia um pássaro meigo de nome Dodô.
Era uma ave estranha pois, contrariamente a outras espécies, não temia a proximidade dos homens. E, por não os temer, esta espécie foi extinta. Homens ignorantes e cruéis – que também os havia nesse tempo – divertiram-se a persegui-los e matá-los.
Um livro que nos fala das aventuras de uma Alice descreve o paradoxo do pássaro Dodô. Depois do dilúvio causado pelas suas próprias lágrimas, Alice chega a uma praia onde encontra vários animais, todos eles encharcados e com frio.
O pássaro Dodô sugere que façam uma corrida para se aquecerem. Todos começam a correr, cada qual para seu lado, cada qual escolhendo o seu próprio percurso, era fácil ver que todos os percursos eram diferentes.
No final da corrida, todos estavam quentinhos e a salvo. Perguntaram ao pássaro quem teria sido o vencedor. Como cada um correu como e por onde quis, o pássaro Dodô declarou que todos tinham sido vencedores das suas próprias corridas.
Há vinte anos, atento à extinção de espécies e à degradação ambiental, o Papa Francisco asseverou ser necessária uma educação que respeitasse a diversidade e a inclusão:
“É necessário acelerar esse movimento inclusivo da educação, para combater a cultura do descarte, criada pela rejeição da fraternidade como elemento constitutivo da humanidade.
A educação é uma realidade dinâmica. Trata-se de um tipo de movimento orientado ao desenvolvimento pleno da pessoa em sua dimensão individual e social, uma educação que coloca a pessoa no centro de sua realidade e da Casa Comum em que é chamada a viver.
O movimento educativo construtor de paz é uma força que deve ser alimentada contra a “egolatria” que cria a falta de paz, fraturas entre as gerações, povos, culturas, populações ricas e pobres, homens e mulheres, economia e ética, humanidade e ambiente”.
A “costelinha ambientalista” do Francisco o levou à conclusão de que “um novo pacto educacional deveria ser revolucionário (sic)”:
“É preciso coragem, a coragem de investir as melhores energias, a coragem de formar pessoas disponíveis para se colocarem a serviço da comunidade”.
Retomo metáforas das cartinhas que para vós escrevi no início do século:
“As gaivotas inventaram outros modos de viver e de voar. Contrariavam os porquenãos, pássaros com tendência para beber silêncios no degredo dos ninhos. As negrelas, escondidas nas árvores de troncos putrefatos, haviam deixado atrás do si um rasto de destruição. Aves de mau agoiro ensaiavam papagaios, que são, como se sabe, aves que repetem disparates sem cuidarem de saber dos efeitos, ignorando que o pecado está em não querer saber”.
Em 2014, um Grupo de Trabalho coordenado pela minha amiga Helena tinha dado visibilidade a 178 projetos considerados potencialmente inovadores. Decorrida meia dúzia de anos, poucos restavam em atividade. A maioria fora desvirtuada, por efeito de sinistras ações de “porquenãos” e “negrelas”.
Em setembro de 2020, quando pensavam terem extinguido o espírito fundador desses projetos, eles renasceram como Fênix ressurgindo das cinzas. Reagindo à insanidade do “regresso às aulas”, uma rede de comunidades emergiu do pântano em que a educação se encontrava. Pais e professores conscientes de perigos de precoces aglomerações e dos perniciosos efeitos das aulas, não permitiram que os jovens fossem precipitadamente “aglomerados” dentro de prédios a que chamavam “escolas”.
Por: José Pacheco
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