Limeira, 23 de outubro de 2040
A Escola teria ensinado aquilo que o Dellors recomendara? – dirigi esta pergunta a um auditório majoritariamente constituído por professores. A resposta foi um silêncio ensurdecedor, quebrado por nova pergunta:
“Colegas, cadê os quatro pilares do relatório da UNESCO?”
O “aprender a conhecer” andava arredio do universo escolar. Quanto muito, os jovens eram depositários de informação jamais transformada em conhecimento, quase-inutilidades, que apenas serviam para debitar em provas e alcançar um diploma.
Estávamos conversados quanto ao aprender a fazer, a ser e a conviver. Um ensino livresco desprezava o desenvolvimento pessoal e social. Mas, eu acreditava ser possível que os educadores assumissem um compromisso ético com a educação, se emancipassem de lideranças tóxicas e de práticas instrucionistas.
Assim rezava uma notícia, no tempo da pandemia:
“Quatro alunos foram suspensos por terem partilhado comida no intervalo das aulas. Um dos alunos dizia que partilhara comida com um amigo, que nada tinha para comer. A diretora da escola afirmava que o aluno foi “repetidamente” avisado de que não podia partilhar nem comida, nem material.”
A diretora descrevia a situação a seu modo. O aluno descrevia-a de modo diferente. A palavra da senhora diretora parecia valer mais do que a do jovem. Um “plano de contingência” estabelecia regras, no “regresso às aulas” e um “Estatuto do Aluno e Ética Escolar” prussiano dava à diretora o direito de punir.
Ética? Qual? As práticas daquela escola não incluíam a ética do cuidar, que garantia o direito à educação. Quem puniria diretores que impunham a prática do instrucionismo, causa direta de abandono intelectual?
Nos idos de noventa do século passado, fui ajudar professores a contas com manifestações de extrema violência. No último intervalo da tarde, estudantes envolveram-se numa briga de torcidas. Roubaram a pistola a um polícia, partiram vidros. O posto médico cuidava dos feridos, quando eu cheguei à escola. Esperei que os professores se acalmassem. E perguntei:
“Existe um regulamento disciplinar nesta escola?”
Responderam afirmativamente. Pedi para o ler. Trouxeram-no e eu li-o, em voz alta. Todas as alíneas começavam pela expressão “É proibido”. Quando acabei a leitura, perguntei:
“Quem elaborou este regulamento?”
O documento fora elaborado pelo diretor e aprovado pelos professores.
“Os alunos participaram da elaboração do regulamento? Apresentaram propostas? – questionei. E li um dos itens: “É proibido fumar no banheiro”.
“Como reagiríeis a esta proibição, se tivésseis 17 ou 18 anos de idade?”
Os professores entreolharam-se. Alguns sorriram. Eles fumavam, na sala dos professores e no banheiro. Se tivessem 17, ou 18 anos, contestariam a proibição, desobedeceriam. Se os jovens não participavam na definição de regras de convivência, por que razão as deveriam cumprir?
Na década de vinte, era introduzida mais uma moda paliativa do instrucionismo: o “projeto de vida”. A secretaria de educação assim a apresentava aos alunos:
“É verdade que é mais uma das disciplinas novas que você tem”.
Essa “reinvenção da roda pedagógica”, era uma caricatural reprodução de uma prática introduzida na Escola da Ponte, nos idos de setenta: o currículo subjetivo.
O “projeto de vida” seria lecionado numa determinada “carga horária” No restante tempo de cada semana letiva, ao que parece, não haveria… “projeto de vida”.
Falava-se de “educação para a cidadania”. Não se sabia que nos educávamos na cidadania, no exercício de uma liberdade responsável.
Por: José Pacheco
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