Carazinho, 20 de novembro de 2040
No ano que nunca existiu, a Microsoft apelava para que os países democráticos reagissem aos “ciberataques de agentes malignos”, porque empresas que desenvolviam vacinas para a covid-19 foram alvos de ataques cibernéticos. Na Europa do novembro do ano que nunca existiu, era decretado o recolher obrigatório, nos fins de semana. Na China, drones registravam efeitos de mudanças climáticas: geleiras derretiam a uma velocidade nunca vista. O mundo chegava a onze mil mortes diárias, pela primeira vez desde o início da pandemia.
A Humanidade já habitava um tempo de sociedade em rede, mas permanecia cativa de raciocínios lineares.
Até à Terceira Revolução Industrial, dispúnhamos de sequências lógicas. Depois, o simultâneo, a sobreposição. Na era da pós-verdade, as redes sociais operavam um sutil processo de desumanização. Pejadas de comentários abjetos, acentuavam a degradação moral e ética. Dispúnhamos de inúmeros instrumentos de comunicação e nunca tão solitários nos sentíamos.
No Brasil, em apenas dez anos, o suicídio infantil e juvenil aumentara 40%. O suicídio já era a segunda razão de morte de jovens. A automutilação era o segundo maior termo de busca dos jovens, na Internet. Os adultos encharcavam-se de medicamentos, as crianças se enchiam de Ritalina.
O meu amigo Rui Canário dizia que, quando assistíamos à degradação do ambiente natural e das relações humanas, raramente nos apercebíamos de que tais fenômenos eram consequências de uma determinada visão de mundo e da escolarização da sociedade. Mudanças operadas no tecido social refletiam uma profunda inversão de valores, a perversão das práticas sociais. Há muto tempo já, se reconhecia a necessidade de conceber uma nova escola para um novo mundo,
Desde a década de 1990, nenhuma inovação surgira no domínio das ciências da educação. Em pseudo-inovações, hipotecávamos destinos. Entre os “cursinhos” e a propaganda enganosa de híbridos sistemas de ensino, pessoas eram transformadas em bonsais humanos. E, no final de palestras proferidas por doutores ignorantes de prática, se comentava:
“É tudo teoria. Vê-se bem que o palestrante nunca deve ter posto os pés no chão de uma escola”.
Aprendizes de feiticeiro – gurus do digital, empresários e outros debutantes da educação – se apropriaram da palavra “inovação” e a deturparam. Adulterado o conceito, converteram-no em slogan para fins mercantis, curandeirismo, espécie de magia branca, capaz de impressionar as massas, nas palavras de Lauro Lima, que profetizou um tempo em que abundavam as caricaturas de inovação Acrescentava o insigne Mestre que a escola se formalizara através dos tempos, artificializando-se, até chegar a ser “um mostrengo repulsivo para a juventude, caixotes de alvenaria em que crianças eram encerradas como sardinha em lata”.
A Diretoria de Assistência a Programas Especiais do MEC reconhecia que mudar o paradigma de funcionamento das escolas passaria a ser a nova agenda dos sistemas educacionais:
“Mudanças estão longe de serem obtidas no curto prazo, mas é inegável que um conjunto de medidas pode e deve ser tomado para se reverter o quadro de ineficiência e de baixa qualidade do ensino”.
Em outras palavras e como referia o documento-base da “Terceira Conferência Internacional sobre Educação Futura – Perspectivas Latino-Americanas:
“Apresenta-se com caráter de urgência a necessidade de desenvolver práticas coerentes com um novo paradigma educacional”.
Nos idos de vinte, se repetia um jargão centenário: era preciso… inovar.
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