Frederico Westphalen, 22 de novembro de 2040
Naquele tempo, família, escola e sociedade andavam de costas voltadas. A família terceirizava na escola a formação dos seus infantes. Por sua vez, a escola, instalava muros e grades, catracas e câmeras de segurança, para se proteger da… comunidade. Quanto muito, a escola arriscava uma visita à comunidade, no pressuposto de que não era parte integrante da… comunidade.
Nos idos de setenta, a trinta anos da celebração do primeiro contrato de autonomia entre uma escola e um ministério da educação, a Ponte já não tinha diretor. Desde os primórdios do projeto, se foi intensificando a participação comunitária, que culminou com uma maioria de pais no Conselho de Direção. Era a comunidade a dirigir uma escola. Mas, nem sempre foi assim…
Ao longo de trinta anos, muito tempo foi gasto em encontros de sábado à tarde. Muita paciência tivemos, para explicar em linguagem de gente o que fazíamos e por que fazíamos desse modo. Aqui vos deixo alguns questionamentos, que foram ponto de partida para a reflexão e colaboração.
“Quando um aluno não quer estudar, os professores dizem que o aluno está doente, ou está doente a escola. Partindo destes pontos, não é certo dizer que a família não foi parceira da escola e ausente com seu filho? Será que a falta de motivação e desconhecimento da autonomia, não surgiu pelo modo que é tratado pela família? Será que pelo método de parceira escola-família, que a Ponte tem, não transforma o relacionamento familiar?”
Resposta de um professor da Ponte:
“Há famílias que, por diversos motivos, não possuem as condições mais elementares para ajudar convenientemente os seus membros. Tive um atendimento com a mãe de um aluno, cujo pai lhe disse diretamente que nunca mais o queria ver e que já não o vê há quatro ou cinco anos. A mãe, por outro lado, tem um emprego com horários muito estranhos, o que leva a que o filho fique entregue, quase em exclusividade, ao avô. É óbvio que a família não está bem e que é necessário que a escola faça o seu papel para tentar “equilibrar” um pouco as coisas. É necessário tentar ajudar o aluno a encontrar-se como pessoa e a lidar com tudo isto, para, depois, encontrar o seu lugar no contexto familiar e social.
Tudo está interligado, o que se passa em casa afeta a escola, mas o que se passa na escola também afeta o que se passa no contexto familiar. Penso que é importante este relacionamento, que tentamos que seja tão profundo quanto possível, mas é preciso ter algum cuidado para não julgar a família e pedir-lhe o que ela não pode dar. Tem de acontecer uma parceria, onde todos compreendem o seu papel e os objetivos comuns. Há situações limites, em que a família, sozinha, não consegue cumprir a sua missão. Por isso, repartimos com os pais todas as decisões. Por exemplo, teremos uma reunião, para decidir sobre futuras instalações para albergar o nosso projeto. Serão os pais a decidir se a proposta do governo serve os interesses de seus filhos.”
Não foi uma, foram três reuniões. Perante os riscos de desenraizamento do projeto, os pais decidiram não aceitar a imposição do ministério. Porém, pela primeira vez na história da Ponte, a decisão dos pais não foi acatada. Pela primeira vez, numa história de quase quatro décadas, a escola acatou ordens “superiores”, permitiu que o ministério fizesse vista grossa do contrato de autonomia. O projeto sofreu um profundo desgaste, perdeu significativa parte do apoio das famílias, cristalizou.
A história da Ponte foi feita de coragem, sofrimento e resiliência. Mas, houve momentos de fatais hesitações.
Por: José Pacheco
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