Bento Gonçalves, 14 de dezembro de 2040
A educação é um ato estético, ou não é educação. A beleza está nos olhos de quem sabe ver, de quem sente. Nos idos de vinte, quem apenas optasse por pensar estaria doente dos sentidos, como disse o poeta. Sem o sensível experienciar da beleza, seríamos impedidos de experienciar o amor e a liberdade, que, juntos, nos conduziriam pelos caminhos da sabedoria.
Foi Nietzsche quem escreveu: “A voz da beleza fala delicadamente: ela se move dentro das almas mais iluminadas”. E um amigo me disse que quem nunca se comoveu com uma suite de Bach talvez nunca tenha existido. Então, seguindo a máxima nietzschiana, por volta de 2020, este vosso avô ousava juntar a poéticos atos de amorosos professores um gesto criador de práxis comunitárias. As dava a conhecer, porque, nos idos de setenta, quando partilhei Vivaldi com os meus alunos, descobri que só amamos aquilo que conhecemos. E fiquei triste, quando conheci o Fábio. O moço queria ser violoncelista, mas decidiu estudar Direito. Disse-me:
“Depois, quando eu tiver um emprego, se verá…”
Muitos jovens se perderam nos labirintos de uma escola sem sentido. E, como diria o Óscar, muitos professores morreram aos vinte para a vida plena, para serem enterrados aos sessenta.
Para o Murilo a educação deveria formar as pessoas para serem poetas a vida inteira. Pessoas – escolas eram as pessoas que nelas viviam o drama educacional – que, não somente saibam fazer versos, mas que viviam em poesia, que percorriam o curso da existência a poetizar os seus gestos.
Sempre que eu ia ao chão das escolas, pedia para ler os seus projetos. Quase sempre, a direção das escolas desconhecia o conteúdo de tal documento, ou ignorava o seu paradeiro. Quase nunca encontrei professor que o tivesse lido. Raramente encontrei uma escola que o concretizasse. Até que chegou uma pandemia.
Tinham decorrido longos anos de uma educação-mentira. A boniteza andava arredada de prédios de escolas sem alma. Valia-nos a ciência, a arte e a amorosidade de professores, que punham alguma luz em tenebrosos antros.
2020 foi oportunidade de um despertar para a anómala situação. O “regresso às aulas” prenunciava o regresso aos trágicos efeitos que, já antes, a escola da aula havia provocado. Então, se outros não haviam percebido a mensagem de um vírus, cabia-nos recriar uma “nova normalidade”. E o fizemos – colocamos beleza em projetos contemporâneos da pandemia.
Certa vez – teria eu uns setenta anos – me perguntaram:
“Você não está aposentado? Por que continua a fazer projetos?”
“Não sou eu quem os faz. Os projetos humanos são atos coletivos. Eu apenas ajudo” – respondi.
“Mas, está a fazer algum projeto?” – insistiu.
“Estamos a preparar um projeto de comunidades de aprendizagem. Trata-se de um projeto de política pública. Foi um secretário de educação que me pediu ajuda. E os professores aderiram à iniciativa”.
“E, quando acabar esse projeto, vai parar?”
“Ajudarei a fazer outro.”
“Outro? Qual?”
“Será, certamente, um projeto para acabar com as comunidades de aprendizagem. Deve haver algo melhor, depois disso. Porque “todo cambia, cambia el modo de pensar, cambia todo en este mundo”.
Citei a Mercedes. Se em Portugal estivesse, evocaria Camões: “Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”. Estávamos em plena 4.0. A Quarta Revolução Industrial trouxera a automação, sistemas ciber físicos, a Internet das Coisas, a computação em nuvem. E a escola havia ficado retida no 1.0 da Primeira Revolução Industrial.
Foi, então, que escolas de Brasília se inundaram de freireana boniteza.
Por: José Pacheco
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