Alter do Chão (Pará), 25 de dezembro de 2040
Quando, hoje, me preparava para rascunhar esta cartinha, eis que a minha amiga Amanda me envia uma mensagem. Sincronicidades? Talvez.
“E quem diria que já estaríamos no Natal? Que esta data nos lembre o verdadeiro significado de estarmos juntos em nome do amor. Hoje, te convidamos a agradecer e celebrar a vida, honrando todos aqueles que deixaram esse plano num 2020 tão cheio de desafios. Diante de todos os obstáculos aos quais fomos expostos, esse ano nos mostrou a importância do reaprender e nos ensinou que, juntos, podemos transformar o mundo. Agradecemos sua caminhada ao nosso lado nessa grande missão de sermos agentes de transformação! Gratidão! Seguimos juntos, sempre, por um mundo melhor! Muita luz e um Feliz Natal!”
Pouco depois, recebi esta notícia:
“Casados há 61 anos, Doris e Sherwood morreram de mãos dadas no hospital.”
O casal deu entrada no hospital, uma semana antes do Natal, com sintomas graves da covid-19, e ambos precisaram de auxílio de ventiladores para respirar. Na véspera de Natal de há vinte anos, Doris Pope, de 78 anos, e Sherwood Pope, de 82, morreram de mãos dadas, segundo relatos de enfermeiros de um hospital em Raleigh, na Carolina do Norte, Estados Unidos. Quando o quadro clínico se agravou, Sherwood pediu aos médicos que o deixassem ficar junto da sua mulher. Médicos e enfermeiros acederam ao pedido. Colocaram as duas camas próximas uma da outra, para que pudessem segurar a mão um do outro, durante três horas, antes da morte. Sherwood morreu primeiro. Doris juntar-se-ia ao Amor da sua Vida, alguns minutos depois.
Durante a minha vida, por três vezes, soube o que era a solidão de uma Noite de Natal. Em 2020, vivi a minha terceira Noite de Natal solitária. E, mais uma vez, confirmei que quem ama nunca está sozinho.
A primeira ocorrera em 1974. Pela primeira vez me privei da companhia de quem mais amava, para ficar dentro de um quartel, na companhia de alguns militares, que também optaram por passar uma noite de vigília. Era preciso defender a “Revolução dos Cravos” daqueles que, na sombra, contra ela conspiravam.
O Natal de 74 seria o último para a pessoa que eu mais amava: a minha mãe. Menos de um mês decorrido sobre essa primeira solitária Noite de Natal, no fim de tarde mais triste de quantos me aconteceram, de coração corroído por uma vida de sacrifícios, serenamente deitada nos meus braços, a minha jovem mãe exalou o seu último suspiro.
O segundo Natal solitário aconteceu em 2015, quando decidi vir viver em Brasília. Dele não quero falar. Apenas vos direi que muitos seres humanos nascem longe de casa. Aqui encontrei a minha casa e nela fiquei. Costumava dizer que, daqui, apenas partiria para o crematório de Valparaíso de Goiás (era o mais próximo).
Reparai que escrevi Amor e Vida com letras maiúsculas. A Vida é um contínuo ato de Amor, ou não é Vida. O Amor é a única realidade e a coragem de Viver é a sua tradução.
Escutemos Drummond:
“Provisoriamente não cantaremos o amor / Que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos / Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços / Existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro”.
E o Galeano:
“O inimigo principal qual é? A ditadura militar? Não, companheiros. Nosso inimigo principal é o medo!”.
Não nos esqueçamos de que “Dignidade” era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e de que “Liberdade” era o nome da maior prisão da ditadura uruguaia.
Depois de um terceiro Natal de solidão, chegou um ano feito de Coragem, Vida, de Amor. Nas próximas cartinhas, contar-vos-ei tudo o que aconteceu naquele extraordinário 2021.
Por: José Pacheco
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