Boa Esperança, no primeiro dia de janeiro de 2041
Queridos netos, sede bem-vindos a 2041!
Na última cartinha, de entre aquelas que enviei em 2001, tinha data de 15 de setembro. Não por acaso… Nesse dia, ainda em Portugal, se comemorava o aniversário de um amigo, nascido em Boa Esperança, no ano de 1933: o amigo Rubem.
Nesse ano, o Rubem visitou a Ponte e assistiu a práticas do paradigma da aprendizagem, na “escola com que sempre sonhou”. Fora “como um momento de “iluminação”, que ele dizia ocorrer, quando acontecia o lapsus (a queda, segundo a psicanálise), uma fratura no discurso lógico. A ele devo a minha segunda vida, a brasileira. O Rubem ansiava pelo “desaprender”, pelo “desensinar”. Era um acérrimo crítico da ensinagem em sala da aula. Em 2001, escrevia:
“Quero uma escola em que a aprendizagem seja um empreendimento comunitário”.
Em 2021 – finalmente celebrando a memória do Rubem, do Lauro, da Nise, do Freire, da Nilde… –- um “empreendimento comunitário” se iniciava. Transcrevo, o email enviado a centenas de excelentes educadores, no dia primeiro de janeiro de há vinte anos. Era um convite, que não requeria muitas palavras. Conhecia bem os destinatários, convivia com alguns deles há mais de quarenta anos. Apenas isto escrevi:
“Creio que aqueles educadores a quem envio esta mensagem são pessoas que sabem o que é preciso FAZER. Isso mesmo: 2021 marcará o início de um FAZER necessário, possível, imediato: criar protótipos de comunidades de aprendizagem. Pelo sonho é que vamos, como diria o Sebastião. Um sonho concretizável, concretizado”.
Ao longo de mais de meio século, havia calcorreado caminhos sem conta, muita estrada. Era meu desejo sair de cena, ir plantar árvores e olhar passarinhos. Mas… se 2020 tinha sido feito de destruição e tristeza, 2021 deveria ser de pacífica reconstrução e de sã alegria.
Destinei cada hora desse já distante ano de 2021 à criação de uma rede de comunidades, começando por viver em comunidade. Ainda viajei muito – depois de recebida a vacina da covid, claro! – sabendo que valeria a pena um último fôlego. Mas dediquei a maior parte do tempo a cuidar do projeto do Distrito Federal. O documento fundador das comunidades de aprendizagem do DF abria com uma citação do “Currículo em Movimento”:
“Quando a comunidade se constitui como parte atuante da escola, com voz e participação na construção coletiva do projeto político-pedagógico, surge o sentido de pertencimento, isto é, a escola passa a pertencer à comunidade, que, por sua vez, passa a zelar com mais cuidado por seu patrimônio; a escola começa a sentir-se pertencente àquela comunidade e começa a criar, planejar e respirar projetos de interesse de sua gente, de sua realidade”
Nos idos de vinte, já quase centenário, num inspirado e inspirador texto, que dava pelo nome de “É hora de mudarmos de Via: as lições do coronavírus”, Morin assumia a denúncia:
“Reformulando por obrigação nosso modo de consumo, preferimos o essencial ao inútil, a qualidade à quantidade, o durável ao descartável.”
E o meu amigo Krenak afirmava que Gaia (Pachamama, Mãe Terra) já não suportava modos de produção predatórios, que conduziam à extinção de várias espécies e provavelmente da espécie humana. Se, antes, reinava a o egoísmo, urgia recuperar práticas comunitárias.
Neil Armstrong, ao pisar a Lua, exclamou:
“Um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”.
Mas juntou a essa exclamação outra frase:
“Os grandes pensamentos não necessitam apenas de asas, mas também de algum veículo para aterrisar.”
Urgia “aterrissar”… FAZER. E fez-se!
Por: José Pacheco
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