Varginha, 5 de janeiro de 2041
No janeiro de há vinte anos, uma amiga colocou num grupo de Instagram um vídeo. Nesse vídeo, um conhecido filósofo dissertava sobre “dar aula”. Não entendi a intenção, mas agradeci. Já conhecia esse vídeo e não pensava comentá-lo. Porém, dada a iniciativa da Célia, dei resposta no WhatsApp, convidando-a e a outros ilustres colegas educadores para uma fraterna conversa sobre aula, instrucionismo e direito à educação. Foi a enésima vez que o fiz. E, mais uma vez, não obtive retorno.
Não me surpreendia com o fato de que quem tivesse passado a vida dando aula não se interessasse por debatê-la. O que mais me incomodava era o obsceno silêncio de professores de ciências da educação. Estas sabiam que o filósofo do vídeo reproduzia um discurso centenário. Assim se expressava o filósofo (ipsis verbis):
“Uma aula não tem por objetivo ser entendida totalmente. Numa aula, cada aluno ou cada grupo pega o que lhe convém. uma aula ruim é aquela que a ninguém convém. Mas, podemos dizer que tudo convém a todos. As pessoas têm de esperar. Obviamente, tem alguém meio adormecido. Uma aula é emoção, é tanto emoção como inteligência. Sem emoção, não há nada, não há interesse algum. Não é uma questão de tudo seguir e entender tudo o que se escuta, de captar o que lhe convém. É por isso que um público variado é muito importante. Sentimos o deslocamento dos centros de interesse”.
Ouso comentar. O eminente filósofo, que eu muito admirava, assumia que uma aula sua não tinha por objetivo ser entendida por todos os seus ouvintes. Mas, provavelmente, não lhe passaria pela cabeça por que razão isso acontecia.
“Numa aula, cada aluno ou cada grupo pega o que lhe convém” – dizia. Isso era verdade. Os alunos universitários ambicionavam obter um diploma. Essa era a “motivação”: o consumismo. Condicionados, bovinamente passivos, anotavam aquilo que supunham o professor iria querer que eles colocassem numa prova. Mesmo, quando, no final de uma aula, o professor perguntava se havia dúvidas – o que era raro – raramente alguém pedia a palavra. Ou, se o fazia, era manifestação de “puxa-saco”.
“Uma aula ruim é aquela que a ninguém convém” – Mutatis, mutandis, todas as aulas seriam ruins, apesar de o filósofo disso não se aperceber. O autor de uma obra monumental admitia que, “obviamente”, havia “alguém meio adormecido” nas salas de aula. Mas, aquilo que era óbvio era que todos, ou quase todos, passavam as aulas “adormecidos”.
“Sem emoção, não há nada, não há interesse algum”, dizia o extraordinário filósofo. Talvez não soubesse que, nessa afirmação estava contida grande parte das teorias da aprendizagem. Um dos seus princípios nos dizia que, para ser significativa, a aprendizagem requeria vínculo emocional. Provavelmente, nesse tempo, as ciências da educação ainda seriam para os filósofos auleiros ciências ocultas.
Quando li as últimas frases do filósofo, senti um arrepio na espinha. Havia professores que admitiam haver alunos que não aprendiam”:
“Não é uma questão de tudo seguir e entender tudo o que se escuta”.
Inacreditável! Ainda havia quem ignorasse a origem socioinstitucional do insucesso escolar.
Decorridos vinte anos, a aula é apenas objeto de pesquisa de quem estuda uma época em que ela era a “senhora dos olhos” do sistema.
Nos idos de vinte, numa das escolas, que ajudei a transformar, montamos um museu, onde deixamos uma sala de aula intacta: lousa digital, mesas enfileiradas etc. Mas, tem sido difícil explicar aos visitantes do museu que aquela aberração educacional era comum, há apenas duas décadas. Mesmo muito difícil!
Por: José Pacheco
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