Três Pontas, 8 de janeiro de 2041
A minha vida de andarilho me levou a terras de Minas Gerais. Fui mineirinho por quatro anos e muitos amigos deixei por lá.
Aprendi com o Hélder e a Izabel o dom da fraternidade. Com a Norma e a Lilian, o dom da lealdade. No Triângulo, a Denise semeava gentileza, e a Lívia me fazia acreditar que o legado de Eurípedes jamais pereceria. Com o Diogo e a Mariana aprendi o que era comunidade. A delicadeza da Jaqueline e a família do Tonheca me comoviam, me davam lições de compaixão. O Leonardo e a Carolina impulsionavam projetos, que viriam a tornar-se referências em educação. Em Carrancas, conheci um homem de uma extrema generosidade, consumida num incêndio florestal, a que voluntariamente acudiu! Muitos outros amigos não evocarei, por serem muitos, por não caberem em escassas linhas.
Em Belo Horizonte, a Patrícia Luiza me fez reconhecer mais imperfeito do que eu pensava ser e me ofereceu o dom do desprendimento. Deu-me a conhecer um ser humano, quase perfeito: Vander Lee. Esse cantor-poeta morreu jovem. Nos primeiros dias de janeiro de há vinte anos, fui buscar ao baú das recordações as suas canções. Delas necessitava, para apagar mágoas. Recordo-o, no derradeiro concerto, já minado por um câncer assassino, com uma voz embargada e transparente de quem sabia serem breves os dias de vida feliz. Quanto mais o escutava, mais me sentia penetrando a alma desse ser humano excecional. Vos deixo alguns versos, para vos abrir o apetite de ouvir as suas belas melodias:
“Ó meu Pai, dá-me o direito / De me apaixonar todo dia / E ser mais jovem que meu filho / De ir aprendendo com ele / A magia de nunca perder o brilho / Virar os dados do destino / De me contradizer, de não ter meta / Me reinventar, ser meu próprio deus / Viver menino, morrer poeta…
A Vida é toda ela um ato poético. Sou herdeiro do maio de 68, do make love, not war”, do “flower power”, do Amor Universal. Mas, no choque com outras culturas, cometi erros por incompreensão. As palavras para além da poesia mostravam que não era a falar que nos entendíamos, mas que, apesar das melhores intenções, nos desentendíamos.
As crianças da Ponte poetavam. Fizeram um livro a que deram o nome de “Jardim da Poesia”. E até criaram um espaço no “Pavilhão Rubem Alves”, onde faziam declamação de poesia. Sobre esse livro vos falarei, amanhã. E, também, sobre um jardim, que eu quis criar.
Houve um dia em que, talvez por erros meus, me arrancaram do Jardim do Éden. Disse adeus às flores e aos rebentos de ipê. Despedi-me dos amigos pássaros. Misericordiosamente, menti aos canarinhos da terra, meus companheiros das caminhadas matinais. Disse-lhes que, “qualquer dia”, eu voltaria ao jardim. Nas manhãs seguintes, eles voltariam ao lugar de poéticos encontros. Eu, jamais voltei.
Chorando já lágrimas de saudade antecipada, deitei um último olhar a uma casinha de madeira, que eu amava, e fui ao encontro de novos reencontros. A dor da destruição foi mitigada por quem me acudiu com amor incondicional, me ajudando a refazer jardins e a poetar. Como a Camila, que colocava em palavras a lição essencial do projeto sonhado para Brasília:
“Os desertos que nos esperam serão os ataques de orgulho, medo, preguiça, descrença e outros pontos esquisitos que o bordado da vida também apresenta. Nessa dimensão de dualidades, luz e sombra são parceiros que nos provocam com o grande chamado: despertar nossa real essência. Vamos mobilizar as energias necessárias para o ano que principia. Força e fé para ir mais fundo em nossos corações. Lá podemos encontrar nossa melhor versão…uma alegria sempre pronta a renascer!”
Por: José Pacheco
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