Campos Gerais, 10 de janeiro de 2041

Na primeira semana de 2021, fui surpreendido por uma preocupante notícia:

“Aumento “repentino” de casos leva a suspensão de aulas em Tavira”.

Tavira era a cidade onde vivíeis, a cidade da escola onde o vosso pai trabalhava. Enviei-lhe e-mail e o André respondeu:

“Foi uma semana louca… de um momento para o outro os casos subiram em flecha, resultado dos descuidos de um considerável grupo de indivíduos em duas situações, levando para as famílias os resultados dessa falta de cuidado. E ainda aguardamos as consequências do Natal e Ano Novo… a ver vamos. Beijo!”

O aumento “repentino” de casos levou à suspensão das aulas em Tavira. Mas, não só. Em outras cidades e países, idêntica decisão era tomada. A notícia continuava assim:

“A presidente da Câmara de Tavira manifestou-se muito preocupada com o aumento repentino de casos registado no concelho na última semana, o que levou as autoridades a determinar a suspensão das aulas presenciais (…) Agregados familiares locais, que antes viam aparecer uma pessoa num agregado e agora existem agregados inteiros que ficam contagiados”. A autarca lançou um apelo à população para que “cada um adote comportamentos responsáveis”.

O vosso pai, professor responsável e dedicado, cumprindo a ordem do “regresso às aulas”, havia sido contaminado pelo vírus. Associada a irresponsáveis atitudes de grande parte da população, a irresponsável decisão ministerial do “regresso às aulas” havia contribuído com a sua quota parte para o aumento do número de mortes por covid-19.

No mesmo órgão de comunicação social, o ministro dizia que escolas teriam pela frente “55 longos dias de provação”. E que o encerramento dos equipamentos escolares deveria ter em conta o “menor número de estudantes e o menor tempo possível” para que a retoma ao “normal funcionamento” acontecesse.

Que ficasse tranquilo o Senhor Ministro. Se os jovens já haviam passado por milhares de dias de “provação”, dentro de salas de aula instrucionistas, não iriam estranhar – iriam aguentar mais meia centena de “normais” provações.

Durante uma coletiva de imprensa, outro ministro exercitava a velha e ridícula retórica:

“Se tivermos que optar, nós vamos optar pela educação, isso tem que ser uma opção da nossa sociedade”.

Somava a essa frase-feita a informação de manter as aulas, mesmo havendo piora na pandemia, “dada a constatação óbvia dos prejuízos que o período sem aula teve sobre os alunos”. E um jornalista comentava que havia crianças que, por estarem sem aulas, até tinham esquecido como se escrevia o nome próprio. Ignorava o jornalista que os alunos não tinham “esquecido” – eles não tinham aprendido. Em sala de aula, pouco ou mesmo nada de útil se aprendia.

Os ministros de então continuavam tão ignorantes das coisas da educação como os predecessores. Não entendiam que não se tratava de “regressar às aulas”, mas de acabar com elas. Confirmava-se que o melhor ministro era aquele que nada fazia. Foi desse modo que respondi a uma pergunta ardilosa, que um entrevistador me dirigiu, durante um programa de TV. Mas, o entrevistador insistiu:

“Mas, por que diz que o melhor seria o ministro nada fazer?”

“Porque não faria besteira” – repliquei.

O entrevistador não se deu por satisfeito e lançou uma provocação:

“E se o Professor Pacheco fosse ministro, o que faria?

“Publicaria um decreto” – ironizei.

“Um decreto?”

“Sim. Um decreto de um só artigo e parágrafo único”.

“E o que diria esse decreto?” – quis saber o entrevistador e lhe satisfiz a curiosidade.

“O decreto diria apenas isto: Extinga-se o ministério”.

Por: José Pacheco