Porto Covo, 25 de janeiro de 2041
Por quase setenta anos, muito se falou sobre a Escola da Ponte e pouco se disse. Até foi argumento de um romance, sem que o seu “lado oculto” fosse desvendado. Muito se escreveu sobre essa escola e raramente se acertou, no que tange aos seus fundamentos. Dado que a eternidade se aproxima a passos largos, vejo-me na necessidade de vos contar as estórias que fizeram história, pelos olhos atentos de visitantes e estudiosos.
Irei citando autores, enquanto viajo por lugares para onde a Ponte me levou, na vida de andarilho que escolhi. Esta primeira cartinha feita de citações foi escrita (melhor dizendo, copiada), enquanto olhava a Ilha do Pessegueiro, onde se diz que um vizir plantou uma árvore dessa espécie. E que, por amor – certamente não correspondido – se suicidou, ainda jovem. Foi também por amor que eminentes pedagogos visitaram e estudaram a Ponte. Em dissertações, teses e artigos, deixaram registadas as suas impressões, em livros (muitos livros) publicaram as conclusões dos seus estudos. Começarei por evocar o João.
João Barroso foi professor catedrático da Universidade de Lisboa. Especialista em Administração Educacional, foi o obreiro maior do edifício legal da autonomia das escolas. Eis o que ele escreveu num artigo publicado há quarenta anos.
“A Escola da Ponte é uma escola pública onde se tem vindo a construir, desde há quase trinta anos, um projeto sólido e inovador, com um forte envolvimento da sociedade local, em particular dos pais, e com um sentido ativo e responsável de autonomia institucional (…) fazem a diferença, pela maneira inovadora como os seus professores desenvolvem as aprendizagens dos alunos, estabelecem parcerias com a comunidade e adequam as suas obrigações de serviço público aos valores da justiça social, da igualdade de oportunidades e da construção da cidadania..
A consistência do projeto, a capacidade de dinamização do seu principal promotor, bem como o comprovado sucesso dos seus resultados fizeram da Ponte um case-study para os que se interessam pela educação, em diferentes domínios: do curricular ao organizativo, da formação dos professores às práticas inovadoras, das teorias da mudança à cidadania (…) constitui um exemplo paradigmático das posições em confronto no debate atual sobre a escola pública.
A visibilidade que o projeto foi tendo, ao longo destes anos, deu à Ponte uma notoriedade pública, a nível nacional e internacional, alimentada e ampliada pelas inúmeras visitas que foram feitas à escola, pelas pesquisas realizadas e pelas intervenções produzidas pelos autores-atores do projeto, em congressos”.
Interrompo a citação, para fazer um breve comentário sobre congressos.
Sempre que, na qualidade de “autor-ator”, participava em congressos, esperavam que eu lesse um discurso, usasse um power point. Mas, eu agia nas “palestras” como no chão da escola. Na Ponte, privilegiávamos o diálogo construtor de conhecimento.
Perguntavam-me pela “apresentação”. Respondia que não usava “apresentações”. Contrapunham que “todos os palestrantes usavam”.
“Mas, eu não uso!”
“Se o doutor não vai usar power point, o que vai dizer ao público?”
“Não sei. Ainda ninguém perguntou” – respondia.
Ficavam com cara de paisagem, entregavam-me o microfone, e na beira do palco, eu perguntava:
“O que quereis saber?”
Respondia-me um pesado silêncio de cem, de mil, ou mais pessoas. Eram professores. Nada perguntavam. Talvez as aulas lhes tivessem destruído a curiosidade. Talvez, algures, outros professores os tivessem proibido de fazer perguntas.
Por: José Pacheco
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