Esposende, 28 de janeiro de 2041
Voltemos à Ponte…
No início deste século, quando o projeto já contava vinte e cinco aninhos, o meu amigo Fernando Ilídio publicou um artigo, de que extraí algumas passagens. Vo-las dou a conhecer.
“Refiro aqui uma conversa recente com um casal jovem, que tem uma filha de seis anos, que acabou de entrar na escola. Como outros pais e mães, estes estão interessados na vida escolar dos filhos. Neste caso, pude aperceber-me que eles não estão apenas interessados, como já estão também bastante preocupados, apesar de a menina só ter entrado para a escola há duas ou três semanas.
Contavam-me, receosos, que a professora lhes dissera que a filha estava atrasada no “i”. Poderíamos discutir amplamente o significado desta expressão, que é profundamente reveladora de concepções e práticas de ensino, mas o que provocou maior estranheza foi o facto de eu próprio ter verificado que a criança identificava e desenhava o “i” perfeitamente. Durante a conversa, pude perceber, no entanto, que não era isso que estava em causa. “Estar atrasada no “i” significava que a criança não escrevia tantas linhas de “iiiii” quantas a professora pretendia.
Este episódio ilustra uma das características mais enraizadas da forma escolar tradicional – o trabalho desprovido de sentido, baseado na mera repetição – que sucessivas reformas não conseguiram alterar, apesar de tanta retórica e de tanta legislação produzidas. Têm-se desenvolvido, apesar de tudo, experiências que questionam profundamente a forma escolar tradicional e mostram que a escola da repetição não é uma fatalidade, e que é possível construir uma escola com sentido para os saberes e para as pessoas que os trabalham no contexto escolar.
A Escola da Ponte é talvez o exemplo mais marcante de uma escola com sentido, com a qual temos muito a aprender. E é possível aprender com ela, não apenas nas suas dimensões endógenas, mas também sobre os mecanismos das reformas educativas e de outras decisões do ministério que frequentemente criam dificuldades, inviabilizam e até destroem projetos inovadores, tal como está a acontecer hoje em relação ao projeto educativo da Escola da Ponte.
A lógica de reforma é mecanismo inibidor da transformação da escola. As reformas educativas são apresentadas como um desígnio nacional, com base no argumento de que o país tem pela frente o desafio da modernização. Porém, sob a aparência de liberdade criada pela retórica da flexibilidade e da autonomia, emergem novas formas de controlo, que impregnam as subjetividades dos professores e afetam as condições de trabalho e de vida nas escolas”.
À distância de quarenta anos, relativamente ao momento em que o ministério da educação fez mais uma tentativa (frustrada) de destruição do projeto da Ponte, recordo a destruição do Projeto Âncora. A corrupção instalada nos órgãos de poder logrou extinguir um projeto considerado por curadorias internacionais como uma escola-vanguarda da educação do século XXI.
Em 2015, em sucessivas reuniões do GT da Inovação, eu insisti na necessidade de assegurar “sustentabilidade” aos 178 projetos reconhecidos como inovadores pelo MEC. A regulamentação instrucionista da lei geral não reconhecia a autonomia dos projetos, nem garantia a estabilidade das equipes. A mobilidade dos professores comprometeu a sua continuidade. A maioria dos projetos sofreu profundas descaraterizações.
Em 2021, poucos restavam. Apenas assumindo visibilidade pública, os projetos se expuseram à desastrosa gestão das secretarias de educação. E a inovação matou a inovação.
Por: José Pacheco
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