Matosinhos, 30 de janeiro de 2041
Até há cerca de uns vinte anos, o instrucionismo ainda resistia à extinção, apoiado num “achismo” secular. As famílias “achavam” que deveria haver aula e “quadros cheios de conteúdos, para copiar”. E a opinião publica “achava” que deveria haver “provas” e “tarefas para casa.”
Os ditos especialistas em ciências da educação fechavam os olhos ao genocídio educacional perpetrado pelo achismo instrucionista. Lucravam os mercadores e os burocratas da educação que, para obter lucros chorudos, ou para se manterem no poder, faziam constar que “sempre foi assim”. E alguém perguntaria se teria sido sempre assim?
Os professores tinham deixado de perguntar. Apenas alguns ousaram buscar respostas a perguntas, que não tinham sido feitas numa formação de professores formatadora.
Desde o século XVIII, não existia sequer uma teoria sequer, que sustentasse o modelo de escola ainda hegemônico, no início da década de vinte. A escola herdeira do Iluminismo, a da afirmação da Modernidade, já não existia, vegetava.
Claude Lévi-Strauss não gostou da baía da Guanabara, mas acertou, quando escreveu que sábio não é aquele que fornece as verdadeiras respostas, é aquele que faz as verdadeiras perguntas. Aqueles que, interrogando-se, se libertavam de preconceitos e soluções convencionais conseguiam compreender que a escola dita tradicional deveria ser demolida, e que, com o material da demolição se poderia construir uma nova educação. Sem esquecer que, quando se alcançasse um determinado objetivo, o mundo já havia mudado, novamente, e que todos os projetos humanos estavam em permanente fase instituinte.
Recordo algo que qualquer manual de história ou de sociologia de educação explicaria. A escola – tal qual a conhecemos enquanto formação experiencial de alunos e professores – era herdeira de necessidades sociais do século XIX, ainda que as suas raízes fossem mais fundas, adentrando os séculos anteriores. O modelo “tradicional” de escola adotou formas e procedimentos característicos das instituições mais respeitadas na época em que foi implementado – aplicou modos de organização dos espaços e métodos utilizados em casernas, mosteiros e prisões.
Nos primórdios da instrução pública, foram construídos edifícios dotados de pátios internos e rodeados de muros altos, réplicas das praças de instrução militar, destinados à instrução dos jovens. As escolas foram divididas em salas (celas dos mosteiros e prisões) de janelas estreitas e abertas bem acima da estatura dos alunos. Estes eram instalados em filas, separados em grupos etários uniformes e distribuídos por graus de ensino. Foram instituídos programas iguais para todos e criados dispositivos de controle total das escolas.
O toque de uma sineta passou a marcar a cadência de horários de aula iguais para todos, visando a uniformização e o conformismo consentâneos com as necessidades de uma revolução industrial emergente.
Os livros delimitavam o conteúdo, a avaliação era confundida com a aplicação de provas-padrão, visando a comparação e a competição entre alunos. Cargos diferenciados reforçavam a hierarquização subentendida na relação professor-aluno. A disciplinarização física e psíquica era mantida através da imposição de inquestionáveis regras, e eram frequentes as premiações e os castigos.
A educação do século XIX agonizou no compasso de mentalidades retrógradas, até ao momento em que educadores éticos ousaram partir para práticas do século XXI. Disso vos falarei, se quiserdes que fale, se quiserdes… perguntar.
Por: José Pacheco
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