Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDXXVII)

Ermesinde, 31 de janeiro de 2041

Houve um tempo em que a Finlândia esteve na moda. Depois, foi a vez da Coreia, de Singapura, da Catalunha e de outros ilusórios paraísos pedagógicos, em ciclos de turismo educacional.

Quando um político falava de “qualidade na educação”, inevitavelmente referia a Finlândia como exemplo, por ser o país que ocupava a primeira posição no PISA. Aquilo que os políticos não diziam era que a Finlândia esteve à beira do colapso económico e se salvou porque instituiu uma escola realmente “pública”.

Nesse país, a educação foi tornada prioridade e não mero enfeite de discurso político.

As escolas eram verdadeiramente autónomas, não dependiam de secretarias, nem de ministérios. Por aqui, as escolas sobreviviam dependentes de uma gestão hierárquica, burocratizada. Um estudo da época dizia-nos que noventa por cento dos diretores de escola gastavam mais tempo a gerir a merenda escolar do que a tratar de assuntos de natureza pedagógica.

Na Finlândia, apenas existia um exame, no final dos estudos. Aqui, aumentava o número de exames, como se a preocupação com o termômetro fizesse baixar a temperatura. Se fosse feito o cálculo dos gastos na elaboração, na distribuição e correção de provas, dos milhões de reais gastos em policiamentos, teríamos noção da dimensão do desperdício.

Os alunos finlandeses tinham liberdade de escolher aquilo que queriam aprender:

“Quando estudamos aquilo de que gostamos, os resultados são melhores. Aqui, os alunos são sujeitos, não são objetos. Cada qual estabelece o seu plano individual de estudos”.

Enquanto isso, no Brasil, havia quem propusesse aumentar a carga horária e o número de dias letivos.

Na Finlândia, os professores tinham como habilitação mínima o mestrado e fora criada a figura do tutor. Por cá, a formação de professores era precária, o estatuto social da profissão estava depreciado, o professor mantinha-se solitariamente exposto a humilhações, à espera da aposentadoria.

Tínhamos muitas “finlândias” cá dentro. Só a administração não via. Algumas escolas tentavam introduzir mudanças que, se concretizadas, colocariam o Brasil muito acima do 52º lugar que ocupava no PISA de 57 países. Este tropical país dispunha dos melhores teóricos da educação, dispunha de excelentes professores e, ao contrário do que se dizia, não faltavam recursos.

O contraste nem deveria ser estabelecido num claro-escuro. O Brasil estava mergulhado na obscuridade da crença num modelo epistemológico falido. E sucessivas gerações de talentos, sonhos e vidas foram desperdiçados. O sistema educativo brasileiro era uma usina produtora de desperdício. Como diria o poeta, o sistema “engolia gente e vomitava bagaço”.

O conservadorismo mantinha o sistema num rumo suicida. Os analfabetos funcionais eram muitos milhões. Os índices de evasão e exclusão continuavam assustadores. O sistema de ensinagem desperdiçava bilhões de reais em corrupções e burocracias. E os responsáveis pela gestão do sistema pareciam ficar contentes com um mísero 5, ou 6, na escala do IDEB.

Secretários de educação sonhavam com “qualidades totais” e “resultados para quatro anos”. Políticos ignorantes do que fosse a pedagogia pariam decisões de política educacional tão inúteis quanto nefastas. Amedrontados, muitos “professores” eram coniventes com tais atitudes.

Mas, eu não deixava de ser esperançoso. Queria acreditar que o bom senso e a competência prevalecessem. Queria crer que toda essa gente agisse por ingenuidade. Não queria acreditar que tivessem consciência dos crimes que praticavam.

 

Por: José Pacheco

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