Algures, em 7 de fevereiro de 2041
Nos idos de vinte, os prédios das escolas assemelhavam-se a shoppings, a bunkers, e a Internet virara um imenso supermercado da educação. A pandemia promovera o “ensino híbrido” a produto de venda a granel.
Eram exibidos slogans sem sentido, como “curso de metodologias ativas em sala de aula”. Numa breve análise de conteúdo de propaganda enganosa, identifiquei os termos frequentemente usados e o que mais me irritava era o uso e abuso da expressão “educação integral”. Os negociantes não faziam a mínima ideia do que isso fosse, mas logravam vender “poções mágicas”. No auge de uma pandemia e no estertor do instrucionismo, mercadores e aprendizes de feiticeiro da educação lucravam com as preocupações de professores e pais, explorando a ingenuidade pedagógica da administração educacional.
A “educação integral” foi tema recorrente da história da educação, desde a antiguidade. Já Aristóteles falava em educação integral, Claparède e Freinet preconizavam uma “educação integral ao longo da vida”. As práticas inspiradas nesses autores visavam um pleno desenvolvimento pessoal e social, no exercício de uma pedagogia do lugar.
No Brasil, as experiências de educação em tempo integral foram tímidas. Do modo reducionista como foi interpretado e desenvolvido, o projeto de “escola de tempo integral” apenas vissava “ocupar tempos livres” ou “assegurar atividades em contra-turno”. O “Mais Educação” era um belo e consistente programa, mas contribuiu para o reforço da “desculpabilização curricular”.
Até ao início da década de trinta, subsistia a crença da transferência linear do conhecimento em sala de aula. Uma cultura sedimentada ao longo de quase três séculos reproduzia-se a si própria, desde a universidade ao chão das escolas, impedindo a emergência de novas práticas.
Para ser integral, a educação deveria contemplar a multidimensionalidade do Ser. E teria de acontecer, efetivamante, em tempo integral, isto é, a todo o momento, nas 24 horas de cada um dos 365 dias de cada ano. Requeria o questionamento do modelo de relação hierárquica, alteração de padrões atitudinais e comportamentais, disponibilização de equipamentos coletivos e espaços de encontro, flexibilidade na organização, respeito pela diversidade.
Acompanhei práticas integrais e integradoras, que visavam o desenvolvimento local e ocorriam em múltiplos espaços sociais, tal como Lauro previa: “Escola, no futuro, será um centro comunitário propulsor das equilibrações sincrônicas e diacrônicas do grupo social a que serve”.
As emergentes “turmas-piloto” de comunidade de aprendizagem cumpriam o desígnio do Mestre Lauro. Fundadas no conectivismo, estruturavam redes sociais, contextos de mútua aprendizagem, presencial e remota. Como enfatizaram psicólogos, o desenvolvimento humano ocorre em meio a uma rede de relações sociais, marcadas por um contexto sociocultural específico, é sempre um ato de relação.
O ser humano aprende quando tem um projeto de vida e o realiza nas dimensões cognitiva, afetiva, emocional, ética… é sempre um projeto de vida com os outros, numa escola em transformação, como Morin aconselhava: “Temos a necessidade de reformar radicalmente o modelo de ensino nas universidades e escolas. O conhecimento está desintegrado em fragmentos disjuntos no interior das disciplinas, que não estão interligadas entre si e entre as quais não existe diálogo. O modelo atual leva a negligenciar a formação integral e não prepara os alunos para mais tarde enfrentarem o imprevisto e a mudança”.
Por: José Pacheco
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