Algures, no dia 9 de fevereiro de 2041
Estávamos em outubro de 1972. Na reunião de “preparação do ano escolar”, uma professora ia registando os nomes dos alunos da sua turma da “primeira classe do ensino primário”, enquanto me mandava registar outros, que seriam os da minha turma. Reparei que ela perguntava à chefe da secretaria quem eram as crianças, a profissão dos seus pais e onde residiam. E eu quis saber quais eram os critérios da constituição das turmas. Respondeu:
“Não há critérios nem meios critérios, caro colega. Eu sou a professora mais antiga nesta escola. E o colega acaba de chegar. Terá de aceitar essa turma, ficar com os alunos que lhe mando. Eles vêm lá do cortiço. É tudo bandidagem e eles serão como os pais. Eu não sei como trabalhar com esses pobretanas”.
“Minha senhora, se não sabe, vá aprender!” – respondi.
A “professora mais antiga” era a mulher do diretor da escola. E o diretor era informador da polícia política. Imaginai o que aconteceu com este vosso avô…
Veio à memória esse episódio, quando aproveitava um tempo livre para reler jornais de uma época já distante. Antes que os meus olhos se detivessem em tristes notícias, dei por mim a questionar essa enigmática expressão: “tempo livre”. É evidente que se refere a um tempo liberto de canseiras. Confesso que, nos idos de vinte, o meu tempo estava cativo de uma intensa “agenda”. O vírus nos remetera para relações virtuais, e o vosso avô dispendia 8 a 10 horas diárias num internético afã.
Em 2020 e 2021, a Internet dava conta de uma avalanche de aparentes “alternativas”. Um marketing agressivo transformava o direito à educação em mercadoria e a “escola pública” virava miragem. Mas, durante a pandemia, muitos educadores haviam despertado para a necessidade de reverter uma situação, que se arrastava há séculos. Eis uma notícia desse conturbado tempo, prova de que nem todos obedeciam aos ditames de uma economia predatória, desumana:
“Professores aprovam greve contra volta das escolas”.
Por arbitrária e contraditória decisão de políticos, escolas privadas estavam liberadas para ter até 70% (por que não 71% ou 69%?!) dos alunos na sala de aula. Durante as duas primeiras semanas de aula, haveria uma “avaliação sobre o aumento de capacidade”. Isso mesmo: os alunos eram considerados números! Indiferente aos perigos das grandes aglomerações, a escola instrucionista continuava a funcionar como um redil de jovens, “para que os pais pudessem ir trabalhar”.
Sem perdermos de vista o elevado custo em vidas humanas, as notícias repescadas no meu “tempo livre” juntavam outros cálculos, que davam a conhecer os perniciosos efeitos do instrucionismo imposto por ministérios e secretarias de educação:
“Mais da metade dos alunos de 14 a 17 anos tem nota insuficiente em português e matemática. Mais da metade dos alunos do país não aprendeu praticamente nada. Mesmo no 3º ano do ensino médio, a maior parte dos jovens não sabe identificar a informação principal de uma reportagem ou fazer cálculos de porcentagem, por exemplo. 7 em cada grupo de 10 alunos estão nos níveis considerados insuficientes de aprendizagem. Mais da metade dos adultos brasileiros não chegam ao ensino médio. E o aluno abandona a escola, ou fica e não aprende nada”.
Essas eram palavras de um ministro da educação, reconhecendo que, dentro de uma sala de aula, apenas se prendia e não se aprendia. Caberia perguntar:
Por que razão o ministério insistia em amontoar alunos dentro dessas salas?
Algures, “alguém” diria não saber trabalhar de outro modo, a não ser dando aula. E eu responderia:
“Se não sabe, vá aprender!”
Por: José Pacheco
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