Itatiaia, 17 de março de 2041
De visita à Ponte, o Senhor Ministro mostrou-se surpreendido:
“Então, a vossa escola não tem diretor?”
“Não, Senhor Ministro. Não precisamos de diretor. Somos todos diretores. Somos autônomos”.
É sabido que professores autónomos não carecem de “big brothers”. À semelhança de outros conceitos muito em voga, naquele tempo, a “autonomia das escolas e dos professores” ainda não havia ultrapassado o estatuto de ornamento de leis ou de teses de doutoramento. E num país de tradições napoleónicas, acontecia que um órgão que, segundo a lei, se supunha ser colegial, na prática, era unipessoal. E, não raramente, autocrático, autoritário.
Quem mandava era um diretor, que nada “mandava” pois estava sujeito ao dever de obediência hierárquica. Poderia discordar da ordem do Senhor Secretário-Geral, ou do Presidente, mas teria de cumprir “ordens superiores” e fazê-las cumprir pelo “inferiores”. Por isso (e por muito mais…), substituímos órgãos unipessoais por colegiados.
O termo burocracia tem origem num sufixo grego, que significa poder, força. A palavra presta-se a equívocos, pois pode designar abusos e excessos de funcionários detentores de um qualquer poder. Nas escolas, os excessos eram bem visíveis: artigos da lei por regulamentar ou regulamentados segundo uma racionalidade técnico-administrativa, nomeações políticas e ideológicas, professáurios ancorados nos podres poderes de estatutos disciplinares.
Uma dúvida se instalou no meu espírito, quando escutei de um professor uma frase proferida tal e qual a transcrevo:
“O bom professor é o que consegue deixar de dar aulas. A prova é que passa a ganhar mais dinheiro do que se as desse. Se não, veja quanto ganham os presidentes, os vices, os diretores. Muito mais do que nós!”
Não precisei de me alongar na reflexão, para me aperceber de outra realidade oculta: os professores que “deixavam de dar aula” passavam a controlar os que as davam (ou as vendiam baratinhas). Numa espécie de hierarquia invertida, aqueles que, efetivamente, prestavam um serviço útil ficavam dependentes daqueles que de útil pouco ou nada faziam.
Durante a sua pesquisa de doutorado, o meu amigo António descobriu que a maioria dos “diretores de agrupamento” estavam longe da sala de aula, há dez, vinte, ou mais anos. E que delegavam nos vices a função pedagógica. Veio-me à memória uma estória contada por um zeloso funcionário público.
O novo responsável pela repartição, já tinha sido repreendido pelo ritmo rápido que imprimia ao desempenho das tarefas. Tendo-se desenvencilhado com presteza de uma delas, foi junto de colegas, inquirindo se precisariam de ajuda. Perguntou ao primeiro:
“O que é que o colega está a fazer?”
“Eu? Eu não estou a fazer nada!” – exclamou, com ar de estar muito ocupado.
Surpreendido, perguntou ao segundo:
“E o senhor? Que serviço está a fazer?”
“Eu estou a ajudar o nmeu colega” – respondeu com ar de enfado.
Como todo o funcionário público que se preze, o jovem chefe de repartição aprendeu a lição, afrouxou o ritmo e afivelou no rosto um semblante misto de fadiga e pressa, de modo a projetar uma imagem de sobreocupação.
Algo semelhante fez o presidente do conselho executivo de uma escola. Eleito, instalado na solidão de um gabinete, nauseou-se de lazer. Para mitigar o aborrecimento, inventou funções, fez afixar diretivas, convocou fastidiosas reuniões, reformulou organogramas, produziu resmas de inútil papelada, para chegar à conclusão de que o nada fazer é um exercício deveras cansativo.
Então, nomeou um assessor, para nele delegar tarefas.
Por: José Pacheco
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